A 104ª edição do Tour de France
chegou ao fim no último domingo. Acabou como começou. Sky a liderar a corrida
desde o primeiro dia e Chris Froome a confirmar o seu super favoritismo
conquistando o seu quarto triunfo na Grande Boucle. E para todos os efeitos a
verdade é esta: Froome tem 32 anos e está a uma vitória dos “imortais “
Anquetil, Merck, Hinault e Indurain.
O Tour começou este ano na Alemanha,
em Dusseldorf. O já tradicional prólogo inicial de poucos metros foi
transformado num contrarrelógio individual debaixo de uma chuva torrencial que
se mostrou decisiva para o que se veio a passar até Paris. Valverde , chefe de fila da equipa nº 1 do
World Tour ( sim , não acreditamos que Unzue tenho apostado a maior parte das
suas fichas num Quintana completamente desmotivado e cansado de um Giro que não
lhe correu nada bem ) abandona a corrida devido a queda com poucos km de prova
decorridos. Uran perdeu neste CRI 51 segundos para Froome , terminando em Paris
apenas com 54s de atraso. A equipa mais forte , a Sky ganha a liderança da prova com Geraint Thomas ,
coloca 4 ciclistas nos 10 primeiros lugares mas mais importante que isso o seu
líder , Chris Froome ganha segundos a todos. Segundos importantes : Porte ,
Quintana , Bardet , Contador e o já referido Uran . Todos perdem para o britânico
numa luta contra o relógio de “apenas “14km . Nunca uma primeira etapa da prova
se mostrou tao importante e decisiva.
A primeira semana de prova é
marcada por 2 momentos: a expulsão do campeão do mundo e figura maior do
pelotão internacional Peter Sagan e também pela etapa 9 .
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Geraint Thomas , o 1º camisola amarela da prova |
A 4ª etapa chegou a Vittel,
cidade conhecida pela famosa marca de água engarrafada com o mesmo nome e um dos
principais patrocinadores da prova. No sprint final estão Cavendish , Sagan ,
Demare ( ganhou a etapa conseguindo o melhor resultado da pior equipa em prova
, a FDJ ), Kristoff, Greipel e o pugilista Bouhanni . Cavendish cai, Sagan
estica o cotovelo, Demare ganha e os franceses saem á rua eufóricos. 10 minutos
passados Sagan é castigado, 2 horas depois e já com o banho tomado e depois dos
“vídeos-árbitros” da UCI analisarem o “lance” 7365299 vezes o campeão do mundo
é expulso: rua, cartão vermelho direto. Os franceses comemoram ainda mais e
Demare tem caminho aberto para a glória. Deste episódio temos 2 certezas: Cavendish
não cai por causa do cotovelo de Sagan e em terra de águas purificadas (Vittel)
os comissários UCI embebedaram-se com um bom vinho francês.
A bebedeira foi tal
que passadas algumas etapas Bouhanni, o pugilista, esmurra um ciclista da Quick
Step em plena etapa, perde 1 minuto e paga uma multa astronómica de 100 francos suíços.
E com esses 100 francos o que é que os comissários UCI fizeram: foram comprar
Guronsan ? Não . Compraram mais 1 garrafinha de vinho para mais tarde penalizarem Sam
Bennett da Lotto Jumbo e Rigoberto Uran da Cannondale por terem recebido
abastecimento dentro dos últimos km. Até ai tudo normal . Até que alguém
aparece com um vídeo onde Bardet da AG2r também abastece no final da etapa e
para atenuar a situação, para que não fosse muito escandaloso e depois da
ultima rodada onde todos bebem de penalty, a penalização é retirada a todos.
Tudo muito lógico, tudo com muita coerência, tudo normal para quem bebe vinho
como se não houvesse amanhã mas depois tem que aplicar regras e ser minimamente
sério na prova de ciclismo mais importante do mundo. Haja paciência para esta
gente.
O outro momento chave desta
primeira semana foi sem duvida a etapa 9 : Nantua – Chambéry.
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Sagan vs Cavendish ...ganharam os comissários UCI |
Não pelas diferenças criadas, exceção para Contador que
perdeu aqui 4 minutos, mas pelas mazelas nalguns dos principais candidatos à geral.
Richie Porte, Robert Gesink, Geraint Thomas e Rafal Majka desistiram devido a
quedas. Se Froome perdeu porventura o seu melhor escudeiro, também é verdade
que perdeu talvez o seu maior rival: Richie Porte. A passadeira até Paris
estava estendida para o britânico. Mas….
Mas à 12ª etapa o impensável aconteceu. Os “200m do nosso
contentamento”. Froome perde a amarela para Aru em apenas 200 metros. E são os
200m do nosso contentamento porquê? Pela simples razão que estes 200 metros,
muito provavelmente, são o que demais excitante aconteceu nos últimos 17 500
km de Tour. Sim, nos últimos 5 anos os 200 metros da chegada a Peryragudes
trouxeram emoção, espetáculo e imprevisibilidade á corrida coisa a que já não estávamos
habituados. Trouxeram também uma nova novela ao mundo ciclístico. Mikel Landa.
Mas o resto desta historia já é bem conhecida e ainda não terminou.
Aguardaremos a cena dos próximos capítulos.
Mas foi “sol de pouca dura” . A chegada a Rodez trouxe um
Fabio Aru bastante distraído e esquecido que transportava no corpo a camisola
de líder da competição. Se conseguiu a proeza de “roubar “a amarela a Froome em
apenas 200 metros, também é verdade que a perdeu para o ciclista da Team Sky em
apenas 500m. Não teve equipa, dizem uns. Foi tática, dizem outros. Ora nem uma
coisa nem outra. Aru perde a amarela simplesmente porque ficou para trás à
entrada do ultimo km : distração ou falta de pernas e força. A verdade é que
depois de Rodez Aru veio aos poucos a fraquejar até sair do pódio chegando a Paris
na 5º posição da geral.
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Chegada inédita a Peyragudes e Aru retira amarela a Froome |
A prova avançou até aos Alpes com 3 certezas que muito
dificilmente eram alteradas : Froome com o caminho aberto para a sua 4ª vitoria
, tinha ainda a seu favor o CRI de Marselha , Warren Barguil de camisola ás
bolinhas vermelhas , rei da montanha, com margem de pontos alargada e ainda com
muito para dar estava praticamente certo no podium final e também Marcel Kittel
e a sua camisola verde que tinha dominado praticamente todas as chegadas em sprint
e contava já com 5 vitórias em etapas . Das 3 certezas, duas confirmaram-se.
Kittel cai no inicio da etapa do Galibier e abandona a competição. Michael
Matthews, que muito lutou por isso, fica de camisola verde levando-a consigo
até ao desfile final nos Campos Elísios.
Os Alpes trouxeram uma coisa a este Tour. O reviver das
etapas lendárias do Izoard. ( ver aqui) . E trouxeram também um herói . Quando
Warren Barguil entra sozinho em Casse Déserte, apenas com o “ pobre “ Atapuma
pela frente que voltou a fazer 2º numa etapa de uma grande volta, a vitoria do
ciclista francês era certa e Barguil escreveu o seu nome na montanha que criou
lendas como Coppi, Bartali ou Bobet. Este ultimo chegou mesmo a afirmar que: : “ Os grandes campeões tem de passar sozinhos
pela Casse Déserte .” Warren Barguil conseguiu. Muito “panache”, muita classe,
muito mérito. Um espetáculo. Barguil no Izoard assinou a melhor vitória deste
104º Tour de France .
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Barguil ganhou isolado no Izoard e pintou o quadro mais bonito da sua carreira |
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Froome ganha o seu 4º Tour de France |
Froome tinha o Tour nas mãos e era previsível que alargaria
a sua vantagem no CRI do penúltimo dia. Foi o que aconteceu. Christopher Froome
é atualmente o único ciclista com “apenas” 4 vitórias na prova o que significa que sempre
que alguém alcançou as 4 vitorias conseguiu também o penta. O Tour mais difícil
para Froome será aquele onde ele atacará a glória das 5 vitorias. A historia e
as estatísticas estão do lado do corredor da Team Sky.
Froome com o seu quarto triunfo ,
o primeiro sem vitorias em etapas, entra para o restrito lote de vencedores
finais que não subiram ao lugar mais alto do podium em etapas. Além dele apenas
Lambot ( 1922) , Walkowiak ( 1956), Nencini ( 1960) , Aimar ( 1966), LeMond (
1990) , Pereiro ( 2006). Mérito !
Outro destaque desta edição é sem
sobra de dúvidas a Team Sunweb: duas camisolas finais, a verde e as bolinhas
encarnadas e 4 vitorias em etapas: Matthews 2 vezes e Warren Barguil outras 2 .
Depois da conquista do Giro por Tom Dumoulin , um Tour quase perfeito e uma época
espetacular para a formação alemã .
Espetáculo é também ver a forma
de correr de Thomas de Gendt . Ciclismo romântico. Ou vai ou racha. Sempre ao
ataque até as pernas aguentarem e o coração bater a ritmo razoável. Na Bélgica
os miúdos são ensinados a correr assim desde tenra idade e de Gendt aprendeu
muito bem a lição. Ao todo foram mais de 1000km em fuga. Praticamente 1/3 da prova.
Impressionante. Lembram-se da bebedeira dos comissários da UCI lá de cima? Pois
bem! Não estiveram sozinhos nas festas. Também lá estiveram os juízes que consideraram
o francês Barguil como o mais combativo no Tour. Para de Gendt a situação pouco
importou, afinal para quem gosta mesmo de ciclismo, ou seja, os adeptos, ele
foi o grande vencedor da combatividade. Thomas de Gendt é inteligente e sabe
que mais vale o reconhecimento popular que a opinião de 4 juízes franceses
embriagados.
Por falar em fugas e em ciclismo romântico
terminamos com o adeus de um dos principais “escritores “ do romantismo ciclístico
dos últimos anos.. O grande Thomas Voeckler. Voeckler fez a sua última etapa no
passado domingo e despediu-se dos seus adeptos na mais famosa avenida da
Europa. É justo. De Thomas vamos para sempre
recordar os ataques, os combates e as fugas . Aquilo que nós como meros adeptos
gostamos. Não é preciso vencer um Tour para se ser um herói e o francês da Alsácia
foi. Aquela etapa de 2011 com chegada ao
Galibier onde o Thomas depois de um esforço enorme comemora o quinto lugar como
se fosse o primeiro só porque consegue segurar a camisola amarela por 15s e por
mais um dia….esse episodio vai ficar para sempre nas nossas memórias como um exemplo de luta e de esforço.
Chapeau para Voeckler!
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Voeckler no Galibier 2011: Merci Thomas |
Boas pedaladas
AT