sábado, 27 de abril de 2019

Liège-Bastogne-Liège: o adeus às clássicas da Primavera.


 
E tudo o que é bom tem fim! No ciclismo também. As corridas de um dia, muitas delas chamamos clássicas, terminam hoje com a 105ª edição da Liège-Bastogne-Liège e os seus 256km. É o quarto Monumento do ano e a mais antiga das 5 provas. Por isso o seu apelido é “La Doyenne” ou seja, a mais antiga. Bem não é de todo verdade pois na parte final da época ainda teremos Il Lombardia, mas a LBL marca o fim das corridas de um dia e o início das grandes voltas por etapas.

Corre-se na região belga das Ardenas e aqui os muros em pavê desaparecem e dão lugar a subidas curtas, duras, mas bem pavimentadas. Já aqui o dissemos várias vezes mas a verdade é esta: enquanto os flamengos, mais pobres, pavimentaram as estradas com pedras, os valoēs , mais ricos , escolheram o alcatrão . Para a Valónia melhores estradas para a Flandres mais ídolos das 2 rodas. Nos paralelos fazem se homens e não é por acaso que a grande maioria dos nomes belgas mais importantes são todos flemish. Isto vem de pequenino: Rick van Looy , Eddy Merckx, Roger de Vlaemink, Museew , Boonen e Avermat. Só há uma excepção : Phillipe Gilbert é valão e natural da zona da subida mais mítica da prova : la Redoute.
 
 
 
Muitas foram as histórias de uma corrida já centenária, mas provavelmente uma das mais marcantes foi aquela edição ganha pelo ciclista que um dia disse: “eu odeio as clássicas belgas! Estamos a falar do Texugo, aquele “animal” que ganhou 5 voltas a França, 3 Giros de Italia, 2 voltas a Espanha, foi campeão do mundo e ganhou quase todas as grandes clássicas com exceção da Milano-SanRemo e da Ronde van Vlaanderen. Já sabem de quem falamos? Sim? Pois, Monsieur Bernard Hinault. E tudo aconteceu em 1980.
A edição de 1980 ficou para sempre conhecida como “Neige-Bastogne-Neige”: neve-Bastogne-neve. De início ao fim toda a prova ficou marcada por uma forte tempestade de neve e temperaturas glaciares. Dos 174 ciclistas que partiram em Liège apenas 21 conseguiram regressar e o primeiro a cortar a meta foi Hinault depois de atacar a 80km da meta seguindo sozinho pelas estradas cobertas de neve. O ataque e a fuga de Hinault foram tão poderosos que o francês ganhou com uma vantagem de 10 minutos para o segundo classificado.  Este dia ficou marcado em Bernard Hinault e não apenas pelos melhores motivos . Sofreu queimaduras pelo frio em dois dedos da mão direita e apenas conseguiu voltar a fazer os movimentos normais três semanas depois. Aqueles dois dedos ficaram para sempre debilidados.  
Hinault , LBL 1980


 

 
Na Liège-Bastogne-Liège, tal como nos outros quatro Monumentos, também temos uma troço/subida que marca a história da própria corrida. Se na Milano-SanRemo temos a Cipressa ou o Poggio di SanRemo, na Ronde van Vlaanderen o Koppenberg (já aqui falamos) e o Kapelmuur (também, aqui) , no Paris-Roubaix o Troueé de Arenberg e na Il Lombardia o Muro di Sormano, na prova das Ardenas temos a subida com nome de revista de moda: La Côte de la Redoute.

 
La Côte de la Redoute: território de Phillipe Gilbert


A La Redoute e os seus 2,4km a 9,8% de média foram introduzidos na LBL em 1975 e depressa começou a ser palco dos melhores e mais emotivos confrontos entre os ciclistas. Mas nenhum desses confrontos foi tão sangrento e violento como aquele que ocorreu naquela zona durante dois dias de setembro em 1774 quando os revolucionários franceses lutaram contra o exército imperial austríaco.
Monumento a assinalar a batalha de 1774
A pequena fortificação construída como último reduto de defesa deu lugar ao nome de batismo daquela “pequena” colina: La Côte de la Redoute e dois seculos depois aqueles caminhos rurais tornaram-se um dos percursos mais sagrados para a história do ciclismo.

 
Bernard Hinault na edição de 1980, já relatada anteriormente, seguia isolado e em plena La Redoute viu o seu diretor desportivo aproximar-se com um pequeno lenço para lhe aquecer as mãos dizendo a brincar que o francês parecia um yeti com um gorro vermelho na cabeça. O Texugo não gostou e no seu jeito bem característico prontamente respondeu:
“Vai à merda , ou sobe aqui para a bicicleta e pedala tu “ .
Não foi isso que aconteceu porque Guimard continuou dentro do carro da equipa Renault e Hinault em cima da bicicleta pedalando de volta até Liège.
Hinault e o seu gorro vermelho, LBL 1980
 
 
A edição de 2019
 
Há alterações importantes no percurso da LBL 2019. O final regressa à cidade de Liége, substituindo Ans e os seus últimos km em ligeira subida não categorizada. Mais importante que isso é a eliminação nos km finais da Côte de Saint Nicholas. A última dificuldade da corrida será a Cotê de La Roche-aux-Faucons a 15km da meta. Serão 1300 metros à média de 11%. Este é a última oportunidade para fazer diferenças a subir, já que todo o percurso até ao final é em terreno plano.
A prova deverá ser por isso bem mais aberta que em anos anteriores. A Côte de La Redoute está a 37km de Liége e nesse ponto é provável que um grupo de candidatos saia na frente.
E quem pode ganhar o 4º Monumento da temporada?
Uma coisa é certa. Infelizmente não será Peter Sagan nem Mathieu van der Poel. O eslovaco está num mau momento de forma. As clássicas do pavê não foram aquilo a que estamos habituados e as Ardenas tem sido terríveis para o tri campeão do mundo. Sagan desistiu na Amstel Gold Race e também na Fleche Wallonne. Numa temporada em que assumiu que um dos objetivos seria a “Semana das Ardenas”, especialmente, a prova de amanhã, as prestações de Sagan demonstram que algo correu mau na preparação ou que existem outros problemas além dos desportivos. Problemas intestinais antes do Tirreno Adriático não justificam as prestações da maior figura do ciclismo especialmente em provas onde, mesmo não ganhando, dominava as corridas e era a principal figura do pelotão. Se a sua forma não é a desejada, fez bem em não se apresentar na linha de partida em Liége. O descanso previsto até à sua próxima prova, a Volta a Califórnia, será decisivo para Sagan preparar a próximo grande objetivo depois de falhada a temporada das clássicas: a camisola verde do Tour de France. Peter Sagan precisa de vitórias e os adeptos de ciclismo precisam de um Peter Sagan “à antiga” , que seja sinomino de emoção e espetáculo.
Espetacular e épica foi a vitória de Mathieu van der Poel na Amstel Gold Race. Depois do vi vimos só desejávamos que Poel fosse presença em todas as provas de ciclismo até ao final do ano. É impossível. A sua Corendus- Circus não teve convite para a LBL e além disso o holandês prepara-se para assaltar a taça do mundo de BTT.
Mesmo com Sagan e Poel , um dos principais candidatos a vencer seria sempre o francês Julian Alaphilippe. O ciclista da Deceuninck Quick-Step pode juntar à Milano-SanRemo o seu segundo Monumento. Se a história se repetir Alaphilippe terá como principal rival o Jakob Fulgslang. Os dois tem mantido uma rivalidade pouco habitual nas corridas de um dia sendo que o francês tem ganho sempre ao ciclista dinamarquês.
Com um percurso teoricamente mais acessível e onde as dificuldades da parte final foram reduzidas, a corrida será muito aberta e os candidatos em número maior.
Michael Matthews nunca ganhou um Monumento, o melhor que fez foi um terceiro lugar na Milano-SanRemo de 2015, mas é um dos principais candidatos a discutir a corrida. Também Michał Kwiatkowski pode vencer a LBL. O polaco não tem a favor os km finais do percurso, mas é bem capaz de ser um dos atacantes do dia quando a corrida estiver na sua fase mais complicada ao passar pela La Redoute. O mesmo para homens como o super Philippe Gilbert, Tim Wellens, Tom Dumoulin ou Daniel Martin.
A participação portuguesa está a cargo de Rui Costa e José Gonçalves.
 
LBL 2019
 
 
Startlist: aqui
Percurso: aqui
Transmissão TV : às 13h00 Eurosport 1
Hastag: #LBL #LBL2019 #LBL19
Boas pedaladas
AT
 
 

 



 




 






 
 

sábado, 20 de abril de 2019

A Tripla das Ardenas : Amstel Gold Race 2019


 
 
E depois da Flandres e do norte de França vem a Valónia e as Ardenas , que é como quem diz , “acabaram se os paralelos”. É uma pena!

Enquanto os flamengos, mais pobres, pavimentaram as estradas com pedras, os valoēs , mais ricos , escolheram o alcatrão . Para a Valónia melhores estradas para a Flandres mais ídolos das 2 rodas. Nos paralelos fazem se homens e não é por acaso que a grande maioria dos nomes belgas mais importantes são todos flemish. Isto vem de pequenino: Rick van Looy , Eddy Merckx, Roger de Vlaemink, Museew , Boonen e Avermat. Só há uma exceção: Phillipe Gilbert é valão.

 
Vai começar a tripla das Ardenas:

 1- Amstel Gold Race (amanhã – 21/04)

 2-La Flèche Wallonne ( quarta-feira – 24/4 )

 3- Liége Bastogne Liége (domingo - 28/4)

 

Amstel Gold Race.

 


A Amstel Gold Race é teoricamente a menos importante.  Já não há Cauberg desde 2017 e as críticas fizeram-se em todo o lado. Sem razão, a edição de 2017 foi das mais espetaculares dos últimos anos. Se amanhã tivermos metade das peripécias de 2017 é uma tarde bastante entretida. Atenção, não há Cauberg a finalizar a Amstel Gold Race, mas ele marca presença. São 3 vezes. A última passagem a cerca de 18km da meta. A derradeira dificuldade do dia é o Bemelerberg com os seus 900m e 4,5% de média de inclinação.
Cauberg
 
Ao todo serão 266km entre Maastricht e Berg en Treblijt com 35 “muros”. Destacam-se nos últimos 40km a sucessão Kruisberg (39,5km para a meta), Eyserbosweg ( 37km para meta), Fromberg ( a 33,7km da meta ) e o Keutenberg e os seus 22% de inclinação máxima a apenas 29km da meta instalada em Rijksweg.

As difíceis rampas de 22% do Keutenberg

Philippe Gilbert está presente depois de vencer o Inferno do Norte. Gilbert tem 4 vitórias e procura alcançar o “Srº Cauberg” Jan Raas que é o recordista da prova com 5 triunfos.  
Jan Raas , vence a AGR em 1980 com a camisoal de campeão do mundo
 
O valão, se partir para tentar ganhar, pode já estar com a cabeça em Milano-Sanremo 2020, tem concorrência de peso. Em primeiro lugar e como um dos principais favoritos, senão mesmo, o principal favorito: Mathieu van der Poel. Que fantástica época está a fazer o campeão do mundo de cyclocross na sua estreia mais a sério na elite do ciclismo de estrada. Poel joga em casa! Corre no seu país e corre na sua praia. Se a corrida for discutida à base de “muita força” é neste momento muito difícil bater o vencedor da Dwars door Vlaanderen e da De Brabantse Pijl. Van der Poel apenas fará a corrida de amanhã. Infelizmente a sua equipa Corendos-Circus não foi convidada para a Fleche Wallonia e para a “La Doyenne”. O holandês dará tudo para ter uma despedida em grande da temporada das clássicas da primavera.
 
Mathieu van der Poel venceu a De Brabantse Pijl
 
O grande adversário de Poel será Julian Alaphillippe. Tal como na passada quarta-feira espera-se um duelo interessante entre os dois. A temporada do francês também tem sido fantástica e Alaphillipe ambiciona muita mais que a Strade Bianche e a Milano-SanRemo.

Peter Sagan não tem outra alternativa a não ser tentar limpar a péssima época de clássicas que está a realizar. E péssimo para Sagan é ter zero vitorias num terreno onde é um dos mais fortes do pelotão.

Alejandro Valverde que por incrível que pareça nunca ganhou a Amstel Gold Race, Tim Wellens , Gasparotto ,  Kwiatkowski, Avermaet, Woods, Schachmann  e Wout van Aert serão ciclistas que vão estar nos momentos decisivos da corrida e com boas possibilidades de sucesso.

Vida difícil terá o vencedor de 2018: Michael Valgren. O dinamarquês mudou-se para a Team Dimension Data e não tem tido vida nada fácil. O seu 10º lugar no Alto da Foia na Volta ao Algarve é o seu melhor resultado em 2019.
 
Valgren vence em 2018
 
A participação portuguesa está a cargo de Rui Costa que tem como melhor resultado na prova holandesa o 4º lugar em 2015.

Amstel Gold Race 2019


Starlist: aqui

Percurso: aqui

Transmissão TV: Eurosport 1 pelas 14h15m

Hastag : #AmstelGoldRace #AGR #AGR2019 #AGR19

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Paris-Roubaix 2019 e a alcunha "o Inferno do Norte" !


 
 
 
E tudo termina no próximo dia 14 de abril!!!

Bem! Também não é uma visão tão catastrófica, mas o que é certo é que pelas 17h00 de domingo acaba a época fantástica das clássicas do pavê. É certo que é apenas uma opinião do Aguadeiro Trepador Blog, mas quem gosta de romantismo e de história, as 5 clássicas flamengas e o Paris-Roubaix são chocolate suíço para quem “saboreia” espetáculo e emoção. O facto dos holofotes do ciclismo mundial estarem apontados para uma região do mapa mundi onde as provas de ciclismo são comparadas com o Mundial de Futebol e os ciclistas autenticas estrelas  ajuda bastante. Na Flandres há jornais diários a escrever sobre ciclismo. Há programas de TV a discutir as performances das equipas. Porque é que o grupo de favoritos não fez a perseguição a Alberto Bettiol na Ronde? Foi o grande tema desportivo na região que faz do ciclismo o desporto rei e que é a “capital espiritual “da modalidade.  

As clássicas vão continuar depois do Paris-Roubaix e viajam até às Ardenas, mas um pouco desta magia vai terminar no velhinho velódromo de Roubaix.


 

O Paris -Roubaix já não começa em Paris. Desde meados da década de 60 que a partida da clássica que um dia alguém apelidou de “O Inferno do Norte” é realizada em Compiègne. O final mantém-se desde sempre em Roubaix e o velódromo da pequena e industrial cidade do norte de França foi o palco que mais vezes recebeu os metros finais da corrida. Hoje o Paris-Roubaix é considerada a corrida de um dia mais importante do calendário de ciclismo.

Velódromo de Roubaix
 

Nem sempre foi assim e no início da prova (1896) foram poucos os que ficaram entusiasmados com uma corrida de ciclismo que começava em Paris e que terminava num velódromo na cidade “desconhecida” de Roubaix. Afinal, naquela época tudo tinha de começar e terminar na cidade da Luz. Também a igreja Católica começou a colocar alguns entraves à realização da prova. A primeira edição estava marcada para a época da Páscoa e como é que os corredores conseguiam ir à missa dominical e no mesmo dia percorrer os cerca de 280km que ligavam Paris a Roubaix? Era impossível ! Segundo relatos da época, a patriarcado de Paris chegou mesmo a distribuir folhetos para tentar convencer a população a condenar e impedir a realização de tal blasfémia.

Theo Vienne, pai do Paris-Roubaix
Nada resultou e a prova idealizada por Théodoro Vienne, um dos fundadores do velódromo de Roubaix foi para a estrada no dia 19 de abril de 1986. O vencedor foi Josef Fisher. Até hoje apenas 2 alemães venceram: Fisher e Degenkolb (2015). Na primeira edição outros nomes de destaque marcaram presença. Entre eles estava o primeiro vencedor da Volta a França (1903) Maurice Garin que terminou na terceira posição.

O seu apelido: “Inferno do Norte “teve origem depois do interregno devido à Primeira Guerra Mundial. A região do norte de França foi bastante castigada durante o conflito armado e ninguém sabia o estado das estradas que ligavam Paris a Roubaix depois do termino da guerra. Em 1919 as informações eram escassas e contraditórias e os organizadores foram obrigados a percorrer o trajeto para verificar a possibilidade de realização da prova. O que viram foi desolador. Arvores caídas, estradas danificadas, cheiro fétido, animais mortos e até ossadas humanas. Ao chegar a Roubaix alguém ligou para Paris confirmando que estavam reunidas as condições mínimas para a prova avançar alertando também para o facto dos ciclistas estarem preparados para ver o “Inferno do Norte” . Henri Pélissier, vencedor em 1919, confirmou esta visão aterradora de morte e sofrimento: “isto não foi uma corrida, isto foi uma marcha fúnebre “disse o ciclista francês depois de cortar a meta no velódromo de Roubaix.

A fama do “Inferno do Norte “ foi aumentando ano após ano, ultrapassando a importância da sua rival a “Bordéus- Paris”.  Como a prova era disputada em estradas quase exclusivamente rurais muito do percurso era feito em pavimento empedrado. Era esta a essência do Paris-Roubaix, essência essa que se mantêm até aos dias de hoje. Porém quase que o Paris-Roubaix dava uma volta de 180 graus. Nos anos 60 e com o impacto mediático que a prova já tinha ninguém queria ver nas TV’s a sua terra natal percorrida em estradas completamente partidas e em mau estado. O medo de “ troça “ era enorme e houve mesmo quem tentasse alterar o percurso da prova para estradas em melhores condições. O que é certo é que a tradição manteve-se e salvo pequenas alterações ao percurso original , muito por culpa de troços em empedrado que se perderam para sempre ou novos troços descobertos por habitantes locais, o trajeto do Paris-Roubaix manteve sempre as suas características iniciais , incluindo a sua alcunha de “ Inferno do Norte” que agora já não estava associada às consequências da Primeira Grande Guerra mas sim às enormes dificuldades que os ciclistas tinham que percorrer.

Quase todos os grandes nomes ganharam em Roubaix ! Todos os especialistas em clássicas triunfaram no velódromo. Os recordistas de vitórias são belgas: Roger de Vlaeminck “o senhor Paris Roubaix” e Tom Boonen, ambos com 4 vitórias.

Monsieur Paris-Roubaix
 

De todos os troços de empedrado que normalmente fazem parte dos percursos destacam-se três: o Troueé d´Arenberg, o Mons-en-Pévèle e o Le Carrefour  de L’ Arbre.


Troueé d´Arenberg
 
O troço que percorre a floresta de Arenberg data do tempo de Napoleão. Foi percorrido pela primeira vez em 1968 e poucas foram as edições do Paris-Roubaix que dispensaram os paralelos terríveis de Arenberg. Os 2400m de distância estão normalmente a 100km da meta, muito longe. A corrida nunca foi ganha em Arenberg mas pode ser perdida. Que o diga Johan Museeuw que em 1998 teve uma queda gravíssima onde quase perde a perna esquerda. Museeuw , o “leao da Flandres” cai em 1998 e ganha a prova em 2000 e 2002 quebrando de alguma forma a maldição de Arenberg. É incrível a velocidade de entrada do pelotão no Troueé d´Arenberg. A bicicleta parece ganhar direções próprias fazendo deste troço o mais difícil da ligação centenária de Paris a Roubaix. Arenberg e as suas Minas são hoje um lugar de peregrinação de todos os fãs e os seus paralelos são dos souvernirs mais apreciados.
Mons-en-Pévèlé
 
Mons-en-Pévèle é outros dos sectores mais importantes. Aparece a cerca de 50km da meta e muitas vezes a corrida já foi decidida nos seus 3000. Em 2010 foi no Mons-en-Pévèle que Cancellara atacou para vencer o seu segundo “ Parelelo”. O ano passado foi neste troço que Peter Sagan consolidou a liderança da corrida o que lhe permitiu vencer o seu primeiro e único Paris-Roubaix.

Café de L´Arbre
 

O Carrefour de l´Arbre é dos troços mais difícil e está já muito perto de Roubaix. Quem passa na frente junto ao Café de l´Arbre tem boas possibilidades de vencer a corrida. São 2100m de paralelos que permanecem neste local desde a Batalha de Bouvines que em 1214 terminou com a guerra anglo-francesa. No Carrefour de l’ Arbre Cancellara já passou na frente e venceu em 2006 assim como Stuart O´Grady no ano seguinte. É o último sector de empedrado que pode fazer a diferença na corrida francesa.


Paris – Roubaix 2019

Paris-Roubaix 2019
 

A edição 117 do Paris-Roubaix está marcada pela homenagem a Michael Goolaerts , ciclista belga que faleceu durante a corrida de 2018. O setor Briastre to Viesly, onde Goolaerts sucumbiu, será rebatizado com o seu nome. Foi esta a forma  que a organização da corrida e o seu diretor Christian Prudhomme escolheram para relembrar para sempre um dos episódios mais tristes da corrida.
Homenagem a Michael Goolaerts
 
O percurso da edição de 2019 é idêntico a anos anteriores. São 257km entre Compiègne e o velódromo de Roubaix, 54,5km dos quais em empedrado distribuídos em 29 setores. Normalmente a corrida aquece ao passar no “inferno “que é o Trouée d ‘ Arenberg. A posição à entrada deste setor é fundamental. Ou se gasta energia para estar na frente ou se poupa esforços, mas corre-se o risco de ficar num grupo atrasado ou bloqueado devido a uma queda. A entrada na foresta de Arenberg, apesar de estar a cerca de 100km da meta, é um dos grandes momentos da corrida. Nós arriscamos a dizer que é mesmo uma das imagens mais fantásticas do ano no que diz respeito a provas ciclísticas.

A mítica passagem por Arenberg
 
O setor número 11 é Mons-en-Pévèlé e está a 48km de Roubaix. Aqui a corrida deverá rebentar e a tensão dentro do pelotão ou do que resta dele estará em máximos. Segue-se Camphin-en-Pévèlé com os seus 1800m e logo de seguida o famoso Carrefour d’ Arbre com 2100m. Quem sair destacado e sozinho do restaurante mais conhecido da zona poderá ser compensado com um banquete real na chega ao velódromo a Roubaix. E quem são os candidatos a saborear a vitória na rainha das clássicas?

Todos os candidatos a vencer o Paris -Roubaix falharam a Ronde van Vlaanderen, por isso será uma prova bastante aberta no que diz respeitos aos principais favoritos. Destaque para o “falhanço “de Zdenek Stybar na Ronde. Era um dos nomes em destaque para conquistar a prova e falhou redondamente. Estará obrigado a correr o Paris-Roubaix para vencer? Sim, Stybar , que este ano já venceu a E3 e a Omloop Het Niewsblad, tem contas a ajustar com o velódromo. O checo por 2 vezes já foi segundo e tem agora mais uma hipótese de gravar o seu nome nos balneários mais famosos do mundo: os de Roubaix.

De Peter Sagan, vencedor em 2018, não sabemos bem o que esperar. Está o eslovaco em baixo ou tudo se resume a uma gestão da época para aparecer na Liege-Bastogne-Liege com pernas suficientes para vencer mais um Monumento que este ano parece ter um perfil indicado para o tri-campeao do mundo?

Peter Sagan venceu em 2018
 
Greg van Avermaet não tem conseguido transformar em vitórias a aparente boa forma que apresenta. Falhou o seu grande objetivo que era a Ronde van Vlaanderen e pode aproveitar o “Inferno do Norte “para, tal como em 2017, triunfar e salvar a época de clássicas.

Outro nome forte é Wout van Aert. O jovem belga da Team Jumbo-Visma ainda não venceu uma grande clássica. Está sempre no grupo decisivo e algum dia a sua vez chegará. O ano passado terminou no lugar 13.

Há duas grandes ausências no pelotão que parte de Compiègne rumo a Roubaix. Um por lesão e outro por ausência da sua equipa. Niki Tersptra caiu no último domingo durante a Ronde e não recupera a tempo de disputar uma prova onde venceu em 2014. Também Mathieu van der Poel não estará presente naquele que seria o seu primeiro Paris-Roubaix . A sua equipa Corendo – Circus é Pro Continental e para tal precisava de convite, coisa que não conseguiu. A organização deu preferência às equipas francesas. É uma pena, Poel está numa forma muito difícil de bater por todos os tubarões do pelotão WT.

E por falar em tubarões? Será que o Paris-Roubaix de 2019 será ganho por um tubarão ou, tal como no último domingo, será um "underdog"  a vencer no velódromo mais famoso do mundo.

Qual a vossa aposta?

 

Starlist: aqui

Percurso: aqui

Transmissão TV: Eurosport 1 pelas 10h00

Hastag: #parisroubaix #PR #PR19 #PR2019

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ronde van Vlaanderen 2019 : o dia nacional belga !



 
No próximo domingo disputa-se o segundo Monumento ciclístico do ano. Depois da Milano-SanRemo e da brilhante vitória de Julian Alaphillippe (aqui), temos então a 103ª edição da Ronde van Vlaanderen . Isto para os flamengos, porque para os franceses é o Tour de Flandres, para os ingleses o Tour of Flanders e na nossa língua Volta à Flandres. Nós vamos entrar no espírito e tal como os flemish vamos chamar-lhe apenas Ronde!

Por falar em espírito e em espiritualidade, já sabemos como os belgas, principalmente os da região da Flandres levam estas coisas da religião. Levam muito a sério. Eles são tão mas tão crentes que nesta altura do ano as provas são quase diárias e não há estrada, rua ou “helligen “que não seja ultrapassado. Claro que estamos a falar de ciclismo, a religião predominante no país do Tintin. No domingo as missas e as manifestações religiosas fazem parte integrante dos cristãos em todo o mundo que nesta altura começam a celebrar a Pascoa. Na Bélgica provavelmente também, mas grande parte da população tem na sua Ronde a principal manifestação espiritual. O borrego é substituído por cerveja e as igrejas pelos “berg”. A Ronde é o principal evento desportivo da Bélgica e os ciclistas flemish uns verdadeiros deuses…!

Bem, nem todas as igrejas são substituídas por “berg”. Há um que é a própria igreja e a procissão costuma ser das mais devotas.

Kapelmuur
 

Falamos do Muur van Geraardsbergen. Também conhecido no mundo do ciclismo como Kappelmuur ou para os flamengos simplesmente Muur. E isto significa muito. É o “muro”! E como sabemos isso é coisa que não falta nesta região da Bélgica. Para os flemish existem apenas 3 muros: a grande muralha da China; o muro de Berlim e o seu Muur. Mas a vantagem cai para aquele onde no domingo haverá uma verdadeira procissão a caminho da Capela de Nossa Senhora de Oudeberg. Afinal de contas, dos três muros é o único onde a história ainda se está a fazer. Por exemplo, e apesar de atualmente estar localizado bem longe da meta da Ronde em Oudennarde, foi no Muur que em 2017 os belgas Quick-Step lançaram o primeiro ataque levando Phillippe Gilbert para a vitória que teve tanto de belo como também de supranatural aproveitando as ondas espirituais do Kappelmuur.

O Muur é curto, apenas com 1km de extensão e com média de 9,3% .A inclinação máxima é de 20% já perto do final.
 

Ganhou notoriedade quando passou a fazer parte dos km finais da Ronde. No Muur fizeram-se ataques lendários. Em 2010 Cancellara descarregou Boonen de tal forma que mais parecia que ia de motorizada. Ballan em 2007 também aí atacou para a vitória em Meerbeke. O italiano, dias depois de conquistar a Ronde, descreve o Muur da seguinte forma: “é uma sensação única e um ruido que nunca ouvi nem vou ouvir em mais lado nenhum do mundo”. Também   Musseeuw, o leão da Flandres, vencedor da prova por 3 vezes (93,95 e 98) descreveu a subida à capela de Oudeberg. Foi mais ousado nas palavras e meio a brincar disse: “ganhar a Ronde no Muur é como ter um orgasmo em cima da bicicleta”.

Cancellara, Muur 2010
 
O Muur tornou-se então o mais importante e mítico “helligen” da Ronde. Era o local onde se faziam os ataques vitoriosos e também o local onde os fanáticos adeptos flemish pernoitavam para conseguir um local privilegiado. É fácil pesquisar fotos de vários anos e reconhecer as caras dos adeptos. As encostas à volta da capela funcionavam quase como os lugares reservados num estádio de futebol .

Mas em 2012 o impensável aconteceu. Oudennarde ganhou a corrida para final da Ronde e Meerbeke ficou para trás. Com esta mudança de meta também o tradicional percurso foi alterado. A dupla Kappelmuur – Bosberg foi substituída pela atual Oude kwaremont – Paterberg e muitos fizeram o funeral à Ronde.
"Funeral" Ronde van Vlaanderen
Era impossível a Ronde, o dia nacional belga, sem a subida ao Muur. Muito se falou na altura e os protestos foram muitos e de diferentes formas. Chegou-se mesmo a fazer o enterro da Ronde! Os adeptos mais fervorosos juraram mesmo que nunca mais viam a corrida. A Ronde estava ferida e para alguns em estado de coma permanente.

Em 2017 o Muur regressou apesar de não ocupar o lugar de destaque de outras edições. Localizado a cerca de 90km da meta, a subida, mesmo assim, tornou-se decisiva na edição de 2017. Coincidências ou não, o que é certo é que com o regresso do Muur as vitórias memoráveis na Ronde voltaram. Gilbert que o diga.

 

Ronde van Vlaanderen 2019

 

A corrida de domingo não traz grandes alterações ao percurso que normalmente é apresentado nos últimos anos. A partida mantém-se em Antuérpia em vez da cidade de Brugge. Desta vez serão 270km até Oudennarde. Os famosos muros/”helligen” estarão lá todos. Além do já falado Muur, que se encontra a 99km da meta, também o mítico Koppenberg, (ver aqui) , o Taaienberg, o Kruisberg/Hotond e a dupla Oude Kwaremont / Paterberg (ultrapassada por duas vezes, a última das quais a cerca de 13km do fim) farão parte da edição 103ª da Ronde.

Ronde van Vlaanderen 2019
 

A corrida de domingo tem uma particularidade. É a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que os belgas não tem nenhuma vitória nas clássicas da semana flamenga que antecedem a Ronde. Groenewegen ganhou a Driedaagse Brugge-De Panne, Stybar a E3 , Kristoff a Gent-Welvegem e na passada quarta feira foi a vez de Mathieu van der Poel alcançar o seu primeiro triunfo World Tour ao vencer a Dwars door Vlaanderen.

Estará a armada belga em baixo de forma? Ou estarão a guardar-se para o dia mais importante? Quem são os favoritos a vencer a Ronde?

É difícil responder a uma pergunta tão difícil. A corrida de domingo está muito aberta! No entanto, podemos apontar 3 grandes favoritos à vitória. Preparem-se que vão ficar surpreendidos. Três campeões do mundo de cyclocross. Zdenek Stybar (Deceuninck – Quick Step ), Wout van Aert (Team Jumbo-Visma) e Mathieu van der Poel ( Corendon-Circus).

O checo da equipa belga, campeão do mundo de cyclocross em 2010/11/14, está numa forma invejável e procura a seu primeiro Monumento. Já fez segundo por duas ocasiões no Paris-Roubaix, prova que até lhe assenta melhor, mas Stybar demonstrou na E3 (mini-Ronde ) que é capaz de passar na frente todas as dificuldades características da região norte da Bélgica. Se a corrida não estiver favorável a Stybar a Deceuninck Quick-Step poderá apostar em Bob Jungels que tão bem andou na E3 e na Dwars door Vlaanderen. Não nos estamos a esquecer de Philippe Gilbert. O valão não corre, à partida, na corrida flamenga. Gilbert está doente. Uma baixa de peso na Wolfpack belga.
Stybar venceu a E3 BinckBanck Classic
 
O atual campeão do mundo de cross é Mathieu van der Poel. Conta apenas com um triunfo em provas do escalão máximo da UCI ao vencer a  Dwars door Vlaanderen. Mesmo assim o holandês é um dos favoritos a conquistar o segundo Monumento do ano. Tem força, sobe com os primeiros e tem uma excelente ponta final para vencer. O cenário ideal para o ciclista da equipa Pro Continental Corendon-Circus seria chegar a Oudennarde integrado num pequeno grupo para discutir a corrida, embora essa situação não aconteça desde 2015 quando Kristoff bateu Niki Terpstra. Se Mathieu van der Poel vencer será um feito notável. No domingo corre o seu primeiro Monumento e vencer na estreia seria um sonho. Notável seria também a sua equipa Pro Continental vencer a Ronde tornando-se na primeira equipa de escalão inferior, desde que há WT, a vencer um Monumento.
Poel estreou-se a vencer na Dwars door Vlaanderen
 
O grande rival de van der Poel no cross e tricampeão mundial da especialidade é o belga Wout van Aert da Team Jumbo Visma. Tem no currículo apenas a Ronde van Vlaanderen de 2018 onde terminou em 9º. Aparenta, tal como Stybar e Poel, estar no seu pico de forma. Ao contrário do rival holandês, se quiser vencer a corrida, Aert tem de atacar nas principais dificuldades e chegar sozinho a Oudennarde. Em comparação com os outros favoritos o belga é o mais forte a fazer grandes acelerações em pequenas subidas e por isso deve apostar tudo na última passagem pela dupla Oude Kwaremont / Paterberg. A cereja em cima do bolo seria Wou van Aert disparar no Koppenberg tal como já fez por diversas vezes no Koppenbergcross.
Aert , Koppenbergcross
 
Depois aparecem os favoritos do costume com Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) à cabeça. O eslovaco não está a ter o início de temporada desejado, embora pareça que o seu ritmo e forma esteja a melhor dia após dia. Sem a pressão de anos anteriores o tri-campeao do mundo pode aproveitar o dia para conquistar a sua segunda Ronde van Vlaanderen.

Quem procura a sua primeira Ronde é Greg van Avermaet (CCC Team). Não esconde que é a vitória que lhe falta e a que mais deseja. Segundo na Omloop Het Niewsblad e terceiro na E3 Avermaet pode ter uma palavra importante a dizer para o desfecho da corrida.  

Niki Terpstra é o dorsal número 1, mas a sua equipa, a Direct Energie está longe dos lugares de cima e provavelmente corre “sozinho” para tentar revalidar o título.

Terpstra venceu em 2018
 

O atual campeão do mundo Alejandro Valverde ( Movistar Team) também marcará presença. De Valverde nunca sabemos o que esperar, principalmente porque nunca vimos o espanhol a subir os muros belgas em pavê. Valverde vai estrear-se no Monumento belga e ganhar a Ronde de arco-iris vestido era…….mítico.

Outros nomes podem ser protagonistas no final dos 270km. Sep Vanmarke, se não cair, Oliver Naesen se recuperar o seu estado de saúde , Mads Padersen se fizer a mesma corrida que fez em 2018 e Matteo Trentin, Kristoff, Michael Mattews se aguentarem as subidas na frente da corrida.

A representação portuguesa está assegurada por Nelson Oliveira da Movistar Team.

E pronto, vamos acabar onde começamos.  No próximo domingo, se forem a uma missa mesmo de verdade rezem muito e façam muitas preces, mas não se esqueçam da Ronde. Depois de terminar vão a correr para casa almoçar. Mas no máximo pelas 14h00 agarrem numa cerveja e vejam a mais espetacular homilia de ciclismo: RONDE VAN VLAANDEREN .



 

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Transmissao TV : 09h15m Eurosport 1 ( transmissão na integra )

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Boas pedaladas

AT