sexta-feira, 28 de julho de 2017

Era uma vez o 104º Tour de France......

A 104ª edição do Tour de France chegou ao fim no último domingo. Acabou como começou. Sky a liderar a corrida desde o primeiro dia e Chris Froome a confirmar o seu super favoritismo conquistando o seu quarto triunfo na Grande Boucle. E para todos os efeitos a verdade é esta: Froome tem 32 anos e está a uma vitória dos “imortais “ Anquetil, Merck, Hinault e Indurain.
O Tour começou este ano na Alemanha, em Dusseldorf. O já tradicional prólogo inicial de poucos metros foi transformado num contrarrelógio individual debaixo de uma chuva torrencial que se mostrou decisiva para o que se veio a passar até Paris.  Valverde , chefe de fila da equipa nº 1 do World Tour ( sim , não acreditamos que Unzue tenho apostado a maior parte das suas fichas num Quintana completamente desmotivado e cansado de um Giro que não lhe correu nada bem ) abandona a corrida devido a queda com poucos km de prova decorridos. Uran perdeu neste CRI 51 segundos para Froome , terminando em Paris apenas com 54s de atraso. A equipa mais forte , a Sky ganha a liderança da prova com Geraint Thomas  , coloca 4 ciclistas nos 10 primeiros lugares mas mais importante que isso o seu líder , Chris Froome ganha segundos a todos. Segundos importantes : Porte , Quintana , Bardet , Contador e o já referido Uran . Todos perdem para o britânico numa luta contra o relógio de “apenas “14km . Nunca uma primeira etapa da prova se mostrou tao importante e decisiva.
Geraint Thomas , o 1º camisola amarela da prova
A primeira semana de prova é marcada por 2 momentos: a expulsão do campeão do mundo e figura maior do pelotão internacional Peter Sagan e também pela etapa 9 .
A 4ª etapa chegou a Vittel, cidade conhecida pela famosa marca de água engarrafada com o mesmo nome e um dos principais patrocinadores da prova. No sprint final estão Cavendish , Sagan , Demare ( ganhou a etapa conseguindo o melhor resultado da pior equipa em prova , a FDJ ), Kristoff, Greipel e o pugilista Bouhanni . Cavendish cai, Sagan estica o cotovelo, Demare ganha e os franceses saem á rua eufóricos. 10 minutos passados Sagan é castigado, 2 horas depois e já com o banho tomado e depois dos “vídeos-árbitros” da UCI analisarem o “lance” 7365299 vezes o campeão do mundo é expulso: rua, cartão vermelho direto. Os franceses comemoram ainda mais e Demare tem caminho aberto para a glória. Deste episódio temos 2 certezas: Cavendish não cai por causa do cotovelo de Sagan e em terra de águas purificadas (Vittel) os comissários UCI embebedaram-se com um bom vinho francês.
Sagan vs Cavendish ...ganharam os comissários UCI
A bebedeira foi tal que passadas algumas etapas Bouhanni, o pugilista, esmurra um ciclista da Quick Step em plena etapa, perde 1 minuto e paga uma multa astronómica de 100 francos suíços. E com esses 100 francos o que é que os comissários UCI fizeram: foram comprar Guronsan ? Não . Compraram mais 1 garrafinha de vinho para mais tarde penalizarem Sam Bennett da Lotto Jumbo e Rigoberto Uran da Cannondale por terem recebido abastecimento dentro dos últimos km. Até ai tudo normal . Até que alguém aparece com um vídeo onde Bardet da AG2r também abastece no final da etapa e para atenuar a situação, para que não fosse muito escandaloso e depois da ultima rodada onde todos bebem de penalty, a penalização é retirada a todos. Tudo muito lógico, tudo com muita coerência, tudo normal para quem bebe vinho como se não houvesse amanhã mas depois tem que aplicar regras e ser minimamente sério na prova de ciclismo mais importante do mundo. Haja paciência para esta gente.


O outro momento chave desta primeira semana foi sem duvida a etapa 9 : Nantua – Chambéry.
Não pelas diferenças criadas, exceção para Contador que perdeu aqui 4 minutos, mas pelas mazelas nalguns dos principais candidatos à geral. Richie Porte, Robert Gesink, Geraint Thomas e Rafal Majka desistiram devido a quedas. Se Froome perdeu porventura o seu melhor escudeiro, também é verdade que perdeu talvez o seu maior rival: Richie Porte. A passadeira até Paris estava estendida para o britânico. Mas….
Mas à 12ª etapa o impensável aconteceu. Os “200m do nosso contentamento”. Froome perde a amarela para Aru em apenas 200 metros. E são os 200m do nosso contentamento porquê? Pela simples razão que estes 200 metros, muito provavelmente, são o que demais excitante aconteceu nos últimos 17 500 km de Tour. Sim, nos últimos 5 anos os 200 metros da chegada a Peryragudes trouxeram emoção, espetáculo e imprevisibilidade á corrida coisa a que já não estávamos habituados. Trouxeram também uma nova novela ao mundo ciclístico. Mikel Landa. Mas o resto desta historia já é bem conhecida e ainda não terminou. Aguardaremos a cena dos próximos capítulos.
Chegada inédita a Peyragudes e Aru retira amarela a Froome
Mas foi “sol de pouca dura” . A chegada a Rodez trouxe um Fabio Aru bastante distraído e esquecido que transportava no corpo a camisola de líder da competição. Se conseguiu a proeza de “roubar “a amarela a Froome em apenas 200 metros, também é verdade que a perdeu para o ciclista da Team Sky em apenas 500m. Não teve equipa, dizem uns. Foi tática, dizem outros. Ora nem uma coisa nem outra. Aru perde a amarela simplesmente porque ficou para trás à entrada do ultimo km : distração ou falta de pernas e força. A verdade é que depois de Rodez Aru veio aos poucos a fraquejar até sair do pódio chegando a Paris na 5º posição da geral.
A prova avançou até aos Alpes com 3 certezas que muito dificilmente eram alteradas : Froome com o caminho aberto para a sua 4ª vitoria , tinha ainda a seu favor o CRI de Marselha , Warren Barguil de camisola ás bolinhas vermelhas , rei da montanha, com margem de pontos alargada e ainda com muito para dar estava praticamente certo no podium final e também Marcel Kittel e a sua camisola verde que tinha dominado praticamente todas as chegadas em sprint e contava já com 5 vitórias em etapas . Das 3 certezas, duas confirmaram-se. Kittel cai no inicio da etapa do Galibier e abandona a competição. Michael Matthews, que muito lutou por isso, fica de camisola verde levando-a consigo até ao desfile final nos Campos Elísios.
Os Alpes trouxeram uma coisa a este Tour. O reviver das etapas lendárias do Izoard. ( ver aqui) . E trouxeram também um herói . Quando Warren Barguil entra sozinho em Casse Déserte, apenas com o “ pobre “ Atapuma pela frente que voltou a fazer 2º numa etapa de uma grande volta, a vitoria do ciclista francês era certa e Barguil escreveu o seu nome na montanha que criou lendas como Coppi, Bartali ou Bobet. Este ultimo chegou mesmo a afirmar que:  : “ Os grandes campeões tem de passar sozinhos pela Casse Déserte .” Warren Barguil conseguiu. Muito “panache”, muita classe, muito mérito. Um espetáculo. Barguil no Izoard assinou a melhor vitória deste 104º Tour de France .  
Barguil ganhou isolado no Izoard e pintou o quadro mais bonito da sua carreira

Froome ganha o seu 4º Tour de France
Froome tinha o Tour nas mãos e era previsível que alargaria a sua vantagem no CRI do penúltimo dia. Foi o que aconteceu. Christopher Froome é atualmente o único ciclista com “apenas” 4 vitórias na prova o que significa que sempre que alguém alcançou as 4 vitorias conseguiu também o penta. O Tour mais difícil para Froome será aquele onde ele atacará a glória das 5 vitorias. A historia e as estatísticas estão do lado do corredor da Team Sky.
Froome com o seu quarto triunfo , o primeiro sem vitorias em etapas, entra para o restrito lote de vencedores finais que não subiram ao lugar mais alto do podium em etapas. Além dele apenas Lambot ( 1922) , Walkowiak ( 1956), Nencini ( 1960) , Aimar ( 1966), LeMond ( 1990) , Pereiro ( 2006). Mérito !
Outro destaque desta edição é sem sobra de dúvidas a Team Sunweb: duas camisolas finais, a verde e as bolinhas encarnadas e 4 vitorias em etapas: Matthews 2 vezes e Warren Barguil outras 2 . Depois da conquista do Giro por Tom Dumoulin , um Tour quase perfeito e uma época espetacular para a formação alemã .
Espetáculo é também ver a forma de correr de Thomas de Gendt . Ciclismo romântico. Ou vai ou racha. Sempre ao ataque até as pernas aguentarem e o coração bater a ritmo razoável. Na Bélgica os miúdos são ensinados a correr assim desde tenra idade e de Gendt aprendeu muito bem a lição. Ao todo foram mais de 1000km em fuga. Praticamente 1/3 da prova. Impressionante. Lembram-se da bebedeira dos comissários da UCI lá de cima? Pois bem! Não estiveram sozinhos nas festas. Também lá estiveram os juízes que consideraram o francês Barguil como o mais combativo no Tour. Para de Gendt a situação pouco importou, afinal para quem gosta mesmo de ciclismo, ou seja, os adeptos, ele foi o grande vencedor da combatividade. Thomas de Gendt é inteligente e sabe que mais vale o reconhecimento popular que a opinião de 4 juízes franceses embriagados.  
Por falar em fugas e em ciclismo romântico terminamos com o adeus de um dos principais “escritores “ do romantismo ciclístico dos últimos anos.. O grande Thomas Voeckler. Voeckler fez a sua última etapa no passado domingo e despediu-se dos seus adeptos na mais famosa avenida da Europa. É justo.  De Thomas vamos para sempre recordar os ataques, os combates e as fugas . Aquilo que nós como meros adeptos gostamos. Não é preciso vencer um Tour para se ser um herói e o francês da Alsácia foi.  Aquela etapa de 2011 com chegada ao Galibier onde o Thomas depois de um esforço enorme comemora o quinto lugar como se fosse o primeiro só porque consegue segurar a camisola amarela por 15s e por mais um dia….esse episodio vai ficar para sempre nas nossas memórias como um exemplo de luta e de esforço.
Chapeau para Voeckler!
Voeckler no Galibier 2011: Merci Thomas
Boas pedaladas
AT

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