Nota prévia:
O Aguadeiro Trepador é um
blog. De comentário, de histórias e sobretudo de opinião.
De livre espírito e livre
pensamento. Sem lápis azul ou de outra cor qualquer. Escreve-se o que se pensa.
Pensar é grátis!
Como tal, irão encontra, se
não o fizeram já, textos que concordam e outros que detestam. É normal e
bastante saudável até.
Sempre que encontrarem aqui
alguma coisa de que não gostam ou não concordam fazemos o convite para
argumentarem. A única coisa que pedimos, como já dissemos, é o livre espírito e
livre pensamento. São as duas regras principais do Aguadeiro Trepador Blog.
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É inegável e por diversas
vezes já abordamos o tema (aqui e aqui), que há uma profunda ligação histórica
entre dois desportos: o futebol e o ciclismo. Sempre andaram de mãos dadas e
sempre disputaram entre si o título de “o desporto mais popular “. Em Portugal
e um pouco por todo o mundo, futebol e ciclismo despertam paixões, movem
multidões e até, nalguns casos “evitam “guerras (aqui)! A ligação é quase
umbilical e a razão para o sucesso dos dois desporto parece ser apenas uma:
todos, ou quase todos nós, na nossa infância e juventude demos pontapés em
bolas para marcar golos e fizemos corridas de bicicleta para cortar a meta no
primeiro lugar. E o que nós fazemos quando somos crianças e adolescentes
marca-nos para o resto das nossas vidas.
Os principais e mais antigos
clubes desportivos em Portugal sempre viram no futebol e no ciclismo a sua
principal base para angariar adeptos e simpatizantes e não é por acaso que nos
anos 30 do século passado Benfica e Sporting protagonizaram a primeira grande
rivalidade clubística em Portugal. E ao contrário do que atualmente a maioria
pensa, a razão dessa rivalidade foi o ciclismo. Na altura os dois clubes não
tinham expressão nacional e a sua base de adeptos era apenas regional. Benfica
e Sporting eram rivais apenas na cidade de Lisboa. Os grandes eventos
desportivos não passavam da capital e praticamente não existiam adeptos noutras
regiões do país.
A Volta a Portugal de 1931
mudou um pouco esse paradigma. O Benfica apresentava nas suas fileiras um
ciclista de grande porte atlético. José Maria Nicolau arrancou para a Volta
como principal candidato e apenas outro ciclista conseguiu competir lado a lado
com o gigante benfiquista. Foi Alfredo Trindade, ciclista magro e baixinho que
na altura corria pela União Clube Rio de Janeiro, clube bairrista da zona do
Bairro Alto em Lisboa. A luta foi titânica e Nicolau venceu a Volta com apenas
29s de vantagem para Trindade começando aí a maior rivalidade de sempre no ciclismo
nacional. No ano seguinte novo duelo entre “David “(Trindade) e “Golias”
(Nicolau) com a vitória a sorrir ao ciclista do Rio de Janeiro. Estava feita
desforra. Mas nem tudo foi mau para o Benfica, pois numa altura em que os meios
de comunicação social não chegavam a todos nem a todas as regiões do país, o
clube benfiquista aproveitou a Volta a Portugal para conquistar simpatias e
adeptos. Muitos viram pela primeira vez uma camisola do clube ao vivo nas
grandes escapadas de José Maria Nicolau e o ciclista tornou-se o maior
desportista do Benfica.
O Sporting não podia ficar
para trás. Se em Lisboa estava agarrado às elites sociais, o clube leonino
tinha de conquistar o apoio e a simpatia popular. A solução foi a contratação
de Alfredo Trindade, solução essa que viria a dar resultados logo nesse ano,
uma vez que Trindade ganha a Volta a Portugal de 1933 vestido de verde e
branco. Começava aí a grande rivalidade Benfica -Sporting, não só na Volta a
Portugal, mas também noutras competições velocipédicas nacionais e na
generalidade dos desportos onde os dois clubes, agora de dimensão nacional,
disputavam energicamente entre si sucessos e vitórias. Adversários em cima de
bicicletas, amigos na vida, José Maria Nicolau e Alfredo Trindade
protagonizaram a mais bonita e saudável rivalidade clubística do desporto
nacional.
Aos poucos o ciclismo
desapareceu do Benfica, do FC Porto e do Sporting, o futebol dominou os clubes
e também dominou os adeptos. A rivalidade clubística entre os maiores clubes
nacionais está assente no “ desporto rei “ , só que essa rivalidade está nos
dias de hoje , por culpa dos dirigentes dos próprios clubes, da comunicação
social e de alguns adeptos, a passar o limite da razoabilidade , do bom senso e
da disputa saudável para ver quem é o melhor e caminha a passos largos para
tudo o que não é digno no desporto. E isso tem um nome, chama-se “clubite aguda”.
O regresso recente de Benfica,
FC Porto e Sporting ao ciclismo (atualmente o Benfica não tem equipa e o
Sporting vai abandonar o projeto com o Clube Tavira) trouxe aspetos positivos
para a modalidade: o apoio financeiro indispensável para manter uma estrutura
de ciclismo, a exposição mediática e adeptos para a beira da estrada. Trouxe
também tudo o que existe de mau na rivalidade clubística. Trouxe a clubite
futebolística para o ciclismo e isso de positivo nada tem.
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A Volta a Portugal que
terminou no último domingo foi repleta de maus exemplos. De exemplos em que não
importa o desporto, não importa o ciclismo. O que realmente interessa é cor da
camisola. Interessam as lutas futebolísticas e a estupidez. As redes sociais
foram nestes dias um oceano inteiro de adeptos ocasionais ou não que,
de um momento para outro, viram na Volta a Portugal, o local ideal para
continuar a guerrilha futebolística. Tivemos de tudo. O típico adepto que diz que
a culpa é do comissário (o árbitro do ciclismo), mas também apareceu o adepto
de ciclismo que diz que o presidente de outro clube comprou os comissários com
“fruta”. Claro, também houve teorias da conspiração com direito a vídeos e até
fotomontagens. Houve também artistas que decidiram provocar os rivais no
futebol colocando tarjas em viadutos e a cereja em cima de bolo uma reportagem
realizada pela organização da Volta em que o “jornalista “tenta brincar com um
resultado de um jogo de futebol. Tudo matéria a mais no ciclismo, até porque a
modalidade já tem assuntos internos suficientes para se auto consumir e destruir.
Vamos por partes e de forma cronológica
porque de tão parvo que é chega a ser divertido!
Episódio 1: “Joni Brandão levou penalização de
10s”
Depressa aparecem os “adeptos “a
dizer que já estão a “roubar “para o “Porto” e que a “fruta” já chegou ao ciclismo.
Na mente destes “adeptos” claro que o presidente Pinto da Costa já “comprou os
comissários”, pois como o Benfica ganhou o campeonato de futebol, o FC Porto
tem de ganhar “nas bicicletas “.
Episódio 2: “A Etapa da Torre não tem o
espetáculo esperado “
Quando na nossa página de
Facebook escrevemos que a Etapa 4, com final no alto da Torre na Serra da
Estrela, foi de alguma forma uma desilusão porque esperavam-se mais dos principais
homens do pelotão, claro que fomos logo acusados de escrever tal opinião porque
“venceu o Porto”. E como todos sabem o Aguadeiro Trepador Blog é do
Benfica ou do Sporting!
Episódio 3: “Final em Bragança atribulado,
várias quedas no último km e Joni Brandou “inventou” uma queda/avaria”.
Há a regra dos 3km finais que
foi aplicada nesta etapa e há também os “adeptos “que ao jeito de Vídeo Arbitro
de Futebol começam a fazer vídeos para “frame a frame”, justificar aquilo que não
sabem ou fingem não saber. Para eles Joni Brandão simulou uma queda ou uma
avaria, ou outra coisa qualquer para desculpar o atraso de alguns minutos
quando cruzou a meta. Pouco importa o que diz a regra dos 3km, pouco importa
que essa mesma regra de forma simplificada diz que: se acontecer qualquer
incidente dentro dos últimos 3km o ciclista fica com o mesmo tempo do grupo
onde está inserido e Joni Brandão estava mesmo ao pé dos ciclistas da W52 FC
Porto que infelizmente caíram, pouco importa isso tudo . O que é certo é que “como
demonstra o vídeo e de acordo com a publicação da própria EFAPEL”, Joni
Brandão deveria levar 3 ou 4 ou 5 minutos de atraso.
Episódio 4: Tarja alusiva ao futebol na Etapa
entre Viana do Castelo e Felgueiras
Qual é o clube dos chamados “3
grandes “que não participou na Volta a Portugal? Pois, foi o Benfica. E é então
que meia dúzia de adeptos decidiu colocar uma tarja num viaduto que dizia: “A
nossa meta 38 “, que é como quem diz: Porto e Sporting, vocês andam a
competir no ciclismo, mas o que interessa é mesmo o futebol. Uma atitude
provocatória de “adeptos” de um clube onde o ciclismo teve um papel
preponderante para a sua expansão nacional e isso até está bem patente, por
enquanto, no próprio símbolo. Desconsideram por completo uma modalidade e nem o
seu próprio legado sabem respeitar. Um excelente exemplo de futebolização do
ciclismo atual mesma para clubes que não tem neste momento a modalidade.
Episódio 5: Joni Brandão entregou bidons de
água a ciclistas do Sporting-Tavira e a ciclistas da Radio Popular-Boavista.
Onde é que já se viu alianças
entre ciclistas de equipas diferentes? Um escândalo! Era o que diziam os
“adeptos” ocasionais. É muito provável que esse tipo de comentário venha de
alguém que não saiba, entre as centenas de exemplos que poderiam ser dados, o
que fez Ribeiro da Silva a Jacques Anquetil no Tour de France de 1957 ou a forma
como Joaquim Agostinho ajudou o italiano Felice Gimondi passados uns anos também
em terras francesas. Pois bem, houve alianças e entreajuda em ciclistas de
equipas diferentes. Muito provavelmente o que se passou na aproximação à
Senhora da Graça foi que ambas as equipas, RP-Boavista e EFAPEL, tinham objetivos
em comum. Joni Brandão levava a camisola amarela e a RP -Boavista liderava a
classificação por equipas e além disso levava muita ambição para conquistar mais
uma etapa. Pelo que a situação na frente da corrida não interessava a nenhum
dos intervenientes. A “aliança”, apesar de não ser muito comum, foi lógica e
deve o propósito de beneficiar ao mesmo tempo duas equipas. Claro que depois
apareceram logo os “adeptos” que deram a sua sentença: “Se ganhar não é merecido “ …"Poooooortttooooo".
Episódio 6: “Os comissários enganaram-se a
contar os tempos de chegada na Senhora da Graça”
Numa etapa que foi espetacular
e que teve uma vitória soberba de António Carvalho da W52 FC Porto o mais
importante foi que, aos olhos de alguns adeptos, os comissários enganaram-se a
contar o tempo de atraso de Joni Brandão para João Rodrigues. Alguns juravam
que tinham contado 2 segundos em vez de 1 segundo. O mais insólito de tudo é que,
à boa maneira do futebol, aldrabaram a imagem de um site bem conhecido para
colocar Brandão a 2 segundos de Rodrigues que assim deveria ser a camisola
amarela à entrada para o CRI final de domingo. Pouco importa o chip que as
bicicletas transportam. Pouco importa que esse chip conte até às milésimas de
segundo. O que é importante é que a olho nu e na “transmissão “contaram 2
segundos. Grande roubo por parte dos comissários (os árbitros do ciclismo).
Episódio 7: “Jornalista da Volta a Portugal “ brinca “ com ciclistas do Sporting- Tavira por causa de resultado no futebol “
Se até aqui exemplificamos a
futebolização desta Volta a Portugal com “adeptos” e mensagens em redes
sociais, os próximos dois episódios são talvez os mais graves. Na partida para
a etapa 5 , na Guarda, um “ jornalista” da Volta a Portugal decide fazer um
direto para o Facebook onde brinca/ goza com ciclistas do Sporting-Tavira por
causa do resultado da final da Super Taça de Futebol onde o Benfica venceu o
Sporting por 5-0. “Dá cá mais cinco Frederico” foi a forma encontrada
para cumprimentar o ciclista do Sporting-Tavira! Qual o resultado disto? Obvio!
Uma chuva de insultos e de mensagens nas redes sociais em páginas relacionadas
com a Volta a Portugal, mas tudo sobre futebol! Mas vale tarde que nunca e o
vídeo foi apagado da página oficial Facebook da competição.
Episódio 8: “ W52 FC Porto comemora a vitória
na Volta a Portugal com uma mensagem típica de futebol “
A W52 FC Porto foi a
grande vencedora de uma das Voltas mais disputadas e renhidas de sempre. Só
decidida nos últimos 19,5km. Venceu a geral individual, a coletiva, venceu
também a segunda camisola mais importante: a verde, venceu 4 etapas e consegue
colocar 4 ciclistas nas 5 primeiras posições. É indiscutível a superioridade da
equipa liderada por Nuno Ribeiro quando comparada com as suas principais
rivais. Havia mil e uma formas de
escrever uma mensagem de vitória, mas quem gere a página oficial da equipa
decidiu colocar um bombástico “Contra tudo e Contra Todos!” Uma mensagem
típica do futebol! O que é “tudo “? E quem são “todos”? No
ciclismo não percebemos, nem o ciclismo é propicio a mensagens desta índole que
mais não são do que réplicas da guerrilha futebolística. Que falta de noção e que
falta de gosto!
Se é para isto que os clubes
com futebol estão no ciclismo então mais vale saírem. Talvez só pela nostalgia
de ver de novo os grandes duelos nas estradas entre Benfica, Sporting e Porto.
Só mesmo por isso, porque atualmente a futebolização dos clubes e o estado de
histeria geral à volta do futebol só prejudica o ciclismo.
No domingo uma multidão que há
muito não se via nas ruas para ver uma prova de ciclismo. Arriscamos a dizer
que entre Gaia e a Avenida dos Aliados estavam centenas de milhares de pessoas.
Alguns, muito poucos, assobiaram a passagem de Joni Brandão. Outro, ainda
menos, provocaram-no com mensagens bem audíveis na TV. Estes são os mesmo
adeptos dos exemplos anteriores. Felizmente ainda são a minoria, mas se
continuarmos com esta onda de futebolização e clubite aguda um dia podem ser eles a mandar. Temos o "caldo entornado" !
Benfica, Sporting e Porto no ciclismo?
Talvez. Mas se for para a clubite generalizada o melhor mesmo é levarem com um
cartão bem vermelho. Rua!
Muito boa análise! Gosto mais de ver o "meu" porto a correr lá fora que por cá, já se sabe que há sempre adeptos que não sabem apreciar a modalidade, só o clube :\
ResponderEliminarVerdadeiramente uma excelente análise. Quem não sabe o que é Ciclismo, que vá para os estádio ver "espectáculos" degradantes e paguem bem pelos bilhetes para verem jogadores deitados... e se os clubes não sabem estar... RUA (eu sei que tem direitos de autor)
ResponderEliminarRui Russo (adepto de Ciclismo e do FCPorto)
Sublinho tudo, menos o episódio 8: "“Contra tudo e Contra Todos!” Uma mensagem típica do futebol!" Como não sei o que é uma mensagem típica do futebol, não consegui perceber a achega. Apenas reti, quando vi o post original, a mensagem subliminar. No desporto em geral usa-se muito o "tudo e todos", que aqui seriam as equipas e os atletas que fizeram frente à W52. Sim, porque desengane-se quem ache que "todas" as equipas e "todos" os atletas não tem no seu desejo mais intimo ganhar à W52 (que é assumida por "tudo e todos" como a melhor equipa portuguesa), nem que para isso se tenham que juntar, ou fazer alianças como foi aqui escrito...
ResponderEliminarObrigado com o comentário.
EliminarMas na nossa opinião a expressão " Tudo e Todos " está muito conectada a guerrilha futebolística.
Episodio 4.
ResponderEliminarA estação emissora aproveita o momento e ajuda à festa e a promoção do conflito quando devia ignorar as provocações de fora.
Já não bastava os constantes comentários do jornalista da RTP cujo nome não me recordo a enaltecer futebol em transmissões de ciclismo.