quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Clubes com futebol no ciclismo? Talvez! Clubite e Futebolização, não!



Nota prévia:
O Aguadeiro Trepador é um blog. De comentário, de histórias e sobretudo de opinião.
De livre espírito e livre pensamento. Sem lápis azul ou de outra cor qualquer. Escreve-se o que se pensa. Pensar é grátis!
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Sempre que encontrarem aqui alguma coisa de que não gostam ou não concordam fazemos o convite para argumentarem. A única coisa que pedimos, como já dissemos, é o livre espírito e livre pensamento. São as duas regras principais do Aguadeiro Trepador Blog.
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É inegável e por diversas vezes já abordamos o tema (aqui e aqui), que há uma profunda ligação histórica entre dois desportos: o futebol e o ciclismo. Sempre andaram de mãos dadas e sempre disputaram entre si o título de “o desporto mais popular “. Em Portugal e um pouco por todo o mundo, futebol e ciclismo despertam paixões, movem multidões e até, nalguns casos “evitam “guerras (aqui)! A ligação é quase umbilical e a razão para o sucesso dos dois desporto parece ser apenas uma: todos, ou quase todos nós, na nossa infância e juventude demos pontapés em bolas para marcar golos e fizemos corridas de bicicleta para cortar a meta no primeiro lugar. E o que nós fazemos quando somos crianças e adolescentes marca-nos para o resto das nossas vidas.
Os principais e mais antigos clubes desportivos em Portugal sempre viram no futebol e no ciclismo a sua principal base para angariar adeptos e simpatizantes e não é por acaso que nos anos 30 do século passado Benfica e Sporting protagonizaram a primeira grande rivalidade clubística em Portugal. E ao contrário do que atualmente a maioria pensa, a razão dessa rivalidade foi o ciclismo. Na altura os dois clubes não tinham expressão nacional e a sua base de adeptos era apenas regional. Benfica e Sporting eram rivais apenas na cidade de Lisboa. Os grandes eventos desportivos não passavam da capital e praticamente não existiam adeptos noutras regiões do país.
Primeira grande rivalidade desportiva em Portugal: Nicolau vs Trindade
 
A Volta a Portugal de 1931 mudou um pouco esse paradigma. O Benfica apresentava nas suas fileiras um ciclista de grande porte atlético. José Maria Nicolau arrancou para a Volta como principal candidato e apenas outro ciclista conseguiu competir lado a lado com o gigante benfiquista. Foi Alfredo Trindade, ciclista magro e baixinho que na altura corria pela União Clube Rio de Janeiro, clube bairrista da zona do Bairro Alto em Lisboa. A luta foi titânica e Nicolau venceu a Volta com apenas 29s de vantagem para Trindade começando aí a maior rivalidade de sempre no ciclismo nacional. No ano seguinte novo duelo entre “David “(Trindade) e “Golias” (Nicolau) com a vitória a sorrir ao ciclista do Rio de Janeiro. Estava feita desforra. Mas nem tudo foi mau para o Benfica, pois numa altura em que os meios de comunicação social não chegavam a todos nem a todas as regiões do país, o clube benfiquista aproveitou a Volta a Portugal para conquistar simpatias e adeptos. Muitos viram pela primeira vez uma camisola do clube ao vivo nas grandes escapadas de José Maria Nicolau e o ciclista tornou-se o maior desportista do Benfica.
 
O Sporting não podia ficar para trás. Se em Lisboa estava agarrado às elites sociais, o clube leonino tinha de conquistar o apoio e a simpatia popular. A solução foi a contratação de Alfredo Trindade, solução essa que viria a dar resultados logo nesse ano, uma vez que Trindade ganha a Volta a Portugal de 1933 vestido de verde e branco. Começava aí a grande rivalidade Benfica -Sporting, não só na Volta a Portugal, mas também noutras competições velocipédicas nacionais e na generalidade dos desportos onde os dois clubes, agora de dimensão nacional, disputavam energicamente entre si sucessos e vitórias. Adversários em cima de bicicletas, amigos na vida, José Maria Nicolau e Alfredo Trindade protagonizaram a mais bonita e saudável rivalidade clubística do desporto nacional.
Fora de competição , uma saudável amizade.
 

 
Ao Benfica e ao Sporting, também o FC Porto se juntou ao ciclismo com brilhantes vitórias nas principais provas nacional. Dias dos Santos e Fernando Moreira foram os primeiros a vencer com a camisola branca e azul e mais tarde também Marco Chagas ou Manuel Zeferino deram muitas alegrias aos adeptos azuis e brancos. O FC Porto continua a ser nos dias de hoje o clube dos chamados “3 grandes “com mais títulos na prova rainha do ciclismo em Portugal.
Aos poucos o ciclismo desapareceu do Benfica, do FC Porto e do Sporting, o futebol dominou os clubes e também dominou os adeptos. A rivalidade clubística entre os maiores clubes nacionais está assente no “ desporto rei “ , só que essa rivalidade está nos dias de hoje , por culpa dos dirigentes dos próprios clubes, da comunicação social e de alguns adeptos, a passar o limite da razoabilidade , do bom senso e da disputa saudável para ver quem é o melhor e caminha a passos largos para tudo o que não é digno no desporto. E isso tem um nome, chama-se “clubite aguda”.
O regresso recente de Benfica, FC Porto e Sporting ao ciclismo (atualmente o Benfica não tem equipa e o Sporting vai abandonar o projeto com o Clube Tavira) trouxe aspetos positivos para a modalidade: o apoio financeiro indispensável para manter uma estrutura de ciclismo, a exposição mediática e adeptos para a beira da estrada. Trouxe também tudo o que existe de mau na rivalidade clubística. Trouxe a clubite futebolística para o ciclismo e isso de positivo nada tem.

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A Volta a Portugal que terminou no último domingo foi repleta de maus exemplos. De exemplos em que não importa o desporto, não importa o ciclismo. O que realmente interessa é cor da camisola. Interessam as lutas futebolísticas e a estupidez. As redes sociais foram nestes dias um oceano inteiro de adeptos ocasionais ou não que, de um momento para outro, viram na Volta a Portugal, o local ideal para continuar a guerrilha futebolística. Tivemos de tudo. O típico adepto que diz que a culpa é do comissário (o árbitro do ciclismo), mas também apareceu o adepto de ciclismo que diz que o presidente de outro clube comprou os comissários com “fruta”. Claro, também houve teorias da conspiração com direito a vídeos e até fotomontagens. Houve também artistas que decidiram provocar os rivais no futebol colocando tarjas em viadutos e a cereja em cima de bolo uma reportagem realizada pela organização da Volta em que o “jornalista “tenta brincar com um resultado de um jogo de futebol. Tudo matéria a mais no ciclismo, até porque a modalidade já tem assuntos internos suficientes para se auto consumir e destruir.
Vamos por partes e de forma cronológica porque de tão parvo que é chega a ser divertido!

Episódio 1: “Joni Brandão levou penalização de 10s”
Depressa aparecem os “adeptos “a dizer que já estão a “roubar “para o “Porto” e que a “fruta” já chegou ao ciclismo. Na mente destes “adeptos” claro que o presidente Pinto da Costa já “comprou os comissários”, pois como o Benfica ganhou o campeonato de futebol, o FC Porto tem de ganhar “nas bicicletas “.

 
Episódio 2: “A Etapa da Torre não tem o espetáculo esperado “
Quando na nossa página de Facebook escrevemos que a Etapa 4, com final no alto da Torre na Serra da Estrela, foi de alguma forma uma desilusão porque esperavam-se mais dos principais homens do pelotão, claro que fomos logo acusados de escrever tal opinião porque “venceu o Porto”. E como todos sabem o Aguadeiro Trepador Blog é do Benfica ou do Sporting!
 

Episódio 3: “Final em Bragança atribulado, várias quedas no último km e Joni Brandou “inventou” uma queda/avaria”.

Há a regra dos 3km finais que foi aplicada nesta etapa e há também os “adeptos “que ao jeito de Vídeo Arbitro de Futebol começam a fazer vídeos para “frame a frame”, justificar aquilo que não sabem ou fingem não saber. Para eles Joni Brandão simulou uma queda ou uma avaria, ou outra coisa qualquer para desculpar o atraso de alguns minutos quando cruzou a meta. Pouco importa o que diz a regra dos 3km, pouco importa que essa mesma regra de forma simplificada diz que: se acontecer qualquer incidente dentro dos últimos 3km o ciclista fica com o mesmo tempo do grupo onde está inserido e Joni Brandão estava mesmo ao pé dos ciclistas da W52 FC Porto que infelizmente caíram, pouco importa isso tudo . O que é certo é que “como demonstra o vídeo e de acordo com a publicação da própria EFAPEL”, Joni Brandão deveria levar 3 ou 4 ou 5 minutos de atraso.


 

 
Episódio 4: Tarja alusiva ao futebol na Etapa entre Viana do Castelo e Felgueiras

Qual é o clube dos chamados “3 grandes “que não participou na Volta a Portugal? Pois, foi o Benfica. E é então que meia dúzia de adeptos decidiu colocar uma tarja num viaduto que dizia: “A nossa meta 38 “, que é como quem diz: Porto e Sporting, vocês andam a competir no ciclismo, mas o que interessa é mesmo o futebol. Uma atitude provocatória de “adeptos” de um clube onde o ciclismo teve um papel preponderante para a sua expansão nacional e isso até está bem patente, por enquanto, no próprio símbolo. Desconsideram por completo uma modalidade e nem o seu próprio legado sabem respeitar. Um excelente exemplo de futebolização do ciclismo atual mesma para clubes que não tem neste momento a modalidade.




Episódio 5: Joni Brandão entregou bidons de água a ciclistas do Sporting-Tavira e a ciclistas da Radio Popular-Boavista.

Onde é que já se viu alianças entre ciclistas de equipas diferentes? Um escândalo! Era o que diziam os “adeptos” ocasionais. É muito provável que esse tipo de comentário venha de alguém que não saiba, entre as centenas de exemplos que poderiam ser dados, o que fez Ribeiro da Silva a Jacques Anquetil no Tour de France de 1957 ou a forma como Joaquim Agostinho ajudou o italiano Felice Gimondi passados uns anos também em terras francesas. Pois bem, houve alianças e entreajuda em ciclistas de equipas diferentes. Muito provavelmente o que se passou na aproximação à Senhora da Graça foi que ambas as equipas, RP-Boavista e EFAPEL, tinham objetivos em comum. Joni Brandão levava a camisola amarela e a RP -Boavista liderava a classificação por equipas e além disso levava muita ambição para conquistar mais uma etapa. Pelo que a situação na frente da corrida não interessava a nenhum dos intervenientes. A “aliança”, apesar de não ser muito comum, foi lógica e deve o propósito de beneficiar ao mesmo tempo duas equipas. Claro que depois apareceram logo os “adeptos” que deram a sua sentença: “Se ganhar não é merecido “ …"Poooooortttooooo".
 


Episódio 6: “Os comissários enganaram-se a contar os tempos de chegada na Senhora da Graça”


Numa etapa que foi espetacular e que teve uma vitória soberba de António Carvalho da W52 FC Porto o mais importante foi que, aos olhos de alguns adeptos, os comissários enganaram-se a contar o tempo de atraso de Joni Brandão para João Rodrigues. Alguns juravam que tinham contado 2 segundos em vez de 1 segundo. O mais insólito de tudo é que, à boa maneira do futebol, aldrabaram a imagem de um site bem conhecido para colocar Brandão a 2 segundos de Rodrigues que assim deveria ser a camisola amarela à entrada para o CRI final de domingo. Pouco importa o chip que as bicicletas transportam. Pouco importa que esse chip conte até às milésimas de segundo. O que é importante é que a olho nu e na “transmissão “contaram 2 segundos. Grande roubo por parte dos comissários (os árbitros do ciclismo).



Episódio 7: “Jornalista da Volta a Portugal “ brinca “ com ciclistas do Sporting- Tavira por causa de resultado no futebol “


Se até aqui exemplificamos a futebolização desta Volta a Portugal com “adeptos” e mensagens em redes sociais, os próximos dois episódios são talvez os mais graves. Na partida para a etapa 5 , na Guarda, um “ jornalista” da Volta a Portugal decide fazer um direto para o Facebook onde brinca/ goza com ciclistas do Sporting-Tavira por causa do resultado da final da Super Taça de Futebol onde o Benfica venceu o Sporting por 5-0. “Dá cá mais cinco Frederico” foi a forma encontrada para cumprimentar o ciclista do Sporting-Tavira! Qual o resultado disto? Obvio! Uma chuva de insultos e de mensagens nas redes sociais em páginas relacionadas com a Volta a Portugal, mas tudo sobre futebol! Mas vale tarde que nunca e o vídeo foi apagado da página oficial Facebook da competição.
 
Episódio 8: “ W52 FC Porto comemora a vitória na Volta a Portugal com uma mensagem típica de futebol “
A W52 FC Porto foi a grande vencedora de uma das Voltas mais disputadas e renhidas de sempre. Só decidida nos últimos 19,5km. Venceu a geral individual, a coletiva, venceu também a segunda camisola mais importante: a verde, venceu 4 etapas e consegue colocar 4 ciclistas nas 5 primeiras posições. É indiscutível a superioridade da equipa liderada por Nuno Ribeiro quando comparada com as suas principais rivais.  Havia mil e uma formas de escrever uma mensagem de vitória, mas quem gere a página oficial da equipa decidiu colocar um bombástico “Contra tudo e Contra Todos!” Uma mensagem típica do futebol! O que é “tudo “? E quem são “todos”? No ciclismo não percebemos, nem o ciclismo é propicio a mensagens desta índole que mais não são do que réplicas da guerrilha futebolística. Que falta de noção e que falta de gosto!
 
Se é para isto que os clubes com futebol estão no ciclismo então mais vale saírem. Talvez só pela nostalgia de ver de novo os grandes duelos nas estradas entre Benfica, Sporting e Porto. Só mesmo por isso, porque atualmente a futebolização dos clubes e o estado de histeria geral à volta do futebol só prejudica o ciclismo.
No domingo uma multidão que há muito não se via nas ruas para ver uma prova de ciclismo. Arriscamos a dizer que entre Gaia e a Avenida dos Aliados estavam centenas de milhares de pessoas. Alguns, muito poucos, assobiaram a passagem de Joni Brandão. Outro, ainda menos, provocaram-no com mensagens bem audíveis na TV. Estes são os mesmo adeptos dos exemplos anteriores. Felizmente ainda são a minoria, mas se continuarmos com esta onda de futebolização e clubite aguda um dia podem ser eles a mandar. Temos o "caldo entornado" !
Benfica, Sporting e Porto no ciclismo? Talvez. Mas se for para a clubite generalizada o melhor mesmo é levarem com um cartão bem vermelho. Rua!
 

5 comentários:

  1. Muito boa análise! Gosto mais de ver o "meu" porto a correr lá fora que por cá, já se sabe que há sempre adeptos que não sabem apreciar a modalidade, só o clube :\

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  2. Verdadeiramente uma excelente análise. Quem não sabe o que é Ciclismo, que vá para os estádio ver "espectáculos" degradantes e paguem bem pelos bilhetes para verem jogadores deitados... e se os clubes não sabem estar... RUA (eu sei que tem direitos de autor)
    Rui Russo (adepto de Ciclismo e do FCPorto)

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  3. Sublinho tudo, menos o episódio 8: "“Contra tudo e Contra Todos!” Uma mensagem típica do futebol!" Como não sei o que é uma mensagem típica do futebol, não consegui perceber a achega. Apenas reti, quando vi o post original, a mensagem subliminar. No desporto em geral usa-se muito o "tudo e todos", que aqui seriam as equipas e os atletas que fizeram frente à W52. Sim, porque desengane-se quem ache que "todas" as equipas e "todos" os atletas não tem no seu desejo mais intimo ganhar à W52 (que é assumida por "tudo e todos" como a melhor equipa portuguesa), nem que para isso se tenham que juntar, ou fazer alianças como foi aqui escrito...

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    1. Obrigado com o comentário.
      Mas na nossa opinião a expressão " Tudo e Todos " está muito conectada a guerrilha futebolística.

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  4. Episodio 4.
    A estação emissora aproveita o momento e ajuda à festa e a promoção do conflito quando devia ignorar as provocações de fora.
    Já não bastava os constantes comentários do jornalista da RTP cujo nome não me recordo a enaltecer futebol em transmissões de ciclismo.

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