Monte Zoncolan |
Apesar de ser pouco reconhecido pelo público em geral, muitas vezes o futebol e o ciclismo, as duas modalidades desportivas mais populares do mundo, tem caminhado de mãos dadas.
É
o caso do Monte Zoncolan. Uma subida relativamente recente na história do ciclismo,
mas que já viu o seu nome entrar para o lote das ascensões míticas. A razão é simples:
o Monte Zoncolan é das subidas mais difíceis do ciclismo profissional.
Localizado
nos belíssimos Dolomitas, nos Alpes Cárnicos, integrado na região de Friuli e
antes de conhecido para os adeptos da modalidade, o Monte Zoncolan e os seus
1730m de altitude não passavam de mais um pico. Uma fachada de pedra no seio de
uma massa de calcário onde se vislumbram montanhas misteriosas e terríveis. Ao
contrário dos Celtas, povo hospitaleiro, que ali se estabeleceram para mais
tarde sucumbirem ao Império Romano, os montes ao redor de Friuli eram inóspitos.
O clima a que estavam sujeitos e os declives acentuados faziam daquela região uma
das menos agradáveis para habitar.
Se
as condições eram difíceis para viver, também o seriam para pedalar. Os
cicloturistas da região, aqueles mais ávidos das emoções das montanhas há muito
que falavam do Monte Zoncolan. Mesmo sem o subir até ao cume, e em conversas de
café, blogs e fóruns na internet, o Zoncolan já era considerada uma das subidas
pavimentada mais difíceis de Itália. Para alguns o Zoncolan seria mesmo mais terrível
que o monstro Mortirolo. Só que a fama do Zoncolan ainda era local. Era um
segredo muito bem guardado.
Guidolin, apaixonado pelo futebol e ciclismo |
Entre
aqueles que defendiam esta última tese, estavam Francesco Guidolin. O italiano foi
um mediano jogador profissional de futebol chegando a jogar na serie A italiana
em clubes como o Veneza e o Hellas Verona. A sua carreira de jogador foi curta e
Guidolin depressa se dedicou ao treino onde obteve mais sucesso. Ainda no ativo,
mas atualmente sem clube, Francesco Guidolin treinou o seu último clube em 2016,
o Swansea City AFC do País de Gales.
Mas
voltamos ao que interessa. Em 1998 Guidolin treinava o Udinese Calcio, o clube
da capital friuliana de Udine. Além da paixão pelo futebol, o “mister” tinha
outro amor: o ciclismo. Francesco era um cicloturista entusiasta e ambicioso.
Um colecionador de montanhas que agora morava no sítio certo para engrossar a sua
lista de conquistas. Num dia de Verão e
sem treino de futebol previsto, Guidolin saiu para a estrada com um velho amigo
local. A meio do passeio este segredou-lhe que estavam a poucos km da mais difícil
subida que Guidolin iria consqusitar. Eram apenas 10km, mas com inclinações brutais.
Chegaram ao topo do Monte Zoncolan e Francesco estava exausto confessando que nunca
tinha visto algo assim. Para ele o Monte Zoncolan eram “as portas do inferno”
para qualquer amante de ciclismo, profissional ou simples amador.
Entretido
com a sua carreira de treinador Guidolin nunca mais falou do Zoncolan mas também
nunca mais o esqueceu! Até que em 2002 a organização da Vuelta a Espanha
anuncia “a mais difícil subida do mundo “: o Angliru ! Francesco ao ouvir esse anúncio
sorriu. Ele tinha a solução para da prova italiana. Afinal estávamos numa época onde as organizações
de Vuelta e Giro disputavam a medalha de “subida mais difícil “. O treinador de futebol movimentava-se com
facilidade nos meios de comunicação italianos e depressa entrou em contacto com
os seus amigos jornalistas Auro Bulbarelli e Davide Cassani e com o cronista da
Gazzetta dello Sport Angelo Zomegnan. Todos pediram uma reunião urgente com
Carmine Castellano, chefe do Giro. Foi o
treinador de futebol que apresentou ao diretor da prova italiana o “Kaiser” o
Zoncolan:
“Olá Castellano, este é o Monte
Zoncolan, e chuta o Angliru para canto “
Castelhano,
sedento de responder ao desafio espanhol aceitou a sugestão e o Monte Zoncolan
entrou para o percurso do Giro de Itália logo no ano seguinte. Mas para o
diretor da prova havia um problema: o Monte Zoncolan era ingreme, é certo, mas não
passava de um caminho de gado onde as condições de segurança poderiam estar em
causa. Por um lado, ele tinha razão. Aquele “caminho de cabras” foi feito em
1939 por 400 homens. A obra durou 18 meses, mas se soubessem o que iria
acontecer cinco anos depois, jamais teriam todo aquele esforço. A 2 de março de
1945 as tropas nazis chegaram a Ovaro através da estrada construída para o
Monte Zoncolan. Na pequena localidade encontraram alguma resistência popular,
mas 22 pessoas foram mortas.
Gilberto Simoni , vencedor em 2003 |
Castellano
queria subir ao Monte Zoncolan no Giro de 2003 mas dando-lhe uma versão menos trágica
e segura. A opção foi subir desde Sutrio (13,5km a 8,9%). Gilberto Simoni foi o
vencedor, o primeiro ciclista profissional a ganhar uma etapa no cimo do Monte
Zoncolan. Mesmo utilizando um andamento baixo 39/27, o italiano classificou o último
quilometro da subida como “o mais duro
que subi em toda a minha vida “. Nesse ano, Mário Cipollini utilizou uma bicicleta
com andamentos BTT mas ao chegar a meio da subida encostou e desistiu. No dia
seguinte a imprensa italiana era unânime: o Monte Zoncolan cunpriu, era um
monstro, era o “Angliru italiano” .
Mas
Francesco Guidolin não estava contente. Se ele subiu ao “Kaiser” por Ovaro,
porque não haveriam de subir também os profissionais? Porque não tornar o Monte
Zoncolan “a verdadeira subida mais difícil
do mundo “?
Em
2005 Zomegnan, um dos jornalistas que ouviu o segredo de Guidolin, tornou-se diretor
do Giro de Itália e prometeu ao treinador que iria fazer todos os possíveis para
ser incluida na prova a subida pelo vertente mais difícil: a vertente de Ovaro
com os seus 10km, 11,9% de média com rampas a ultrapassar os 22%. Meteu mãos ao
trabalho, falou com o presidente da comunidade Enzo Cainero que se disponibilizou
para fazer algumas reparações e em 2007 todos ouviram aquilo que desejavam. O
Monte Zoncolan era o final da etapa 17 do Giro. Melhor, a sua ascensão seria
por Ovaro. Fez-se “justiça” a Franscesco Guidolin mas também a todos os cicloturistas
daquela região italiana que há muito reclamavam que a subida mais difícil do
mundo estava à porta das suas casas!
Simoni em 1º e Piepoli em 2º , anos loucos na Saunier Duval |
“a parte mais fácil desta subida é
mais difícil que a parte mais difícil de qualquer subida do Tour de France “
Desde
então o Monte Zoncolan foi conquistado em 2010 por Ivan Basso, em 2011 por Igor
Anton, em 2014 por Michael Rogers e o ano passado por Chris Froome.
Ultimo vencedor no Monte Zoncolan, Froome , 2018 |
O anfiteatro natural do Monte Zoncolan |
Desde Ovaro
Altitude : 1730m
Distancia: 10km
Desnível: 1230m
Média: 11,9%
Máxima: 22 %
Boas pedaladas
AT
muito bom artigo . Subi em 2011 e foi o dia mais difícil da minha vida em cima de uma bicicleta, mas cheguei lá acima sem nunca ter posto o pé no chão. MÉDIA DE 7.1 k/h.
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