sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ronde van Vlaanderen 2019 : o dia nacional belga !



 
No próximo domingo disputa-se o segundo Monumento ciclístico do ano. Depois da Milano-SanRemo e da brilhante vitória de Julian Alaphillippe (aqui), temos então a 103ª edição da Ronde van Vlaanderen . Isto para os flamengos, porque para os franceses é o Tour de Flandres, para os ingleses o Tour of Flanders e na nossa língua Volta à Flandres. Nós vamos entrar no espírito e tal como os flemish vamos chamar-lhe apenas Ronde!

Por falar em espírito e em espiritualidade, já sabemos como os belgas, principalmente os da região da Flandres levam estas coisas da religião. Levam muito a sério. Eles são tão mas tão crentes que nesta altura do ano as provas são quase diárias e não há estrada, rua ou “helligen “que não seja ultrapassado. Claro que estamos a falar de ciclismo, a religião predominante no país do Tintin. No domingo as missas e as manifestações religiosas fazem parte integrante dos cristãos em todo o mundo que nesta altura começam a celebrar a Pascoa. Na Bélgica provavelmente também, mas grande parte da população tem na sua Ronde a principal manifestação espiritual. O borrego é substituído por cerveja e as igrejas pelos “berg”. A Ronde é o principal evento desportivo da Bélgica e os ciclistas flemish uns verdadeiros deuses…!

Bem, nem todas as igrejas são substituídas por “berg”. Há um que é a própria igreja e a procissão costuma ser das mais devotas.

Kapelmuur
 

Falamos do Muur van Geraardsbergen. Também conhecido no mundo do ciclismo como Kappelmuur ou para os flamengos simplesmente Muur. E isto significa muito. É o “muro”! E como sabemos isso é coisa que não falta nesta região da Bélgica. Para os flemish existem apenas 3 muros: a grande muralha da China; o muro de Berlim e o seu Muur. Mas a vantagem cai para aquele onde no domingo haverá uma verdadeira procissão a caminho da Capela de Nossa Senhora de Oudeberg. Afinal de contas, dos três muros é o único onde a história ainda se está a fazer. Por exemplo, e apesar de atualmente estar localizado bem longe da meta da Ronde em Oudennarde, foi no Muur que em 2017 os belgas Quick-Step lançaram o primeiro ataque levando Phillippe Gilbert para a vitória que teve tanto de belo como também de supranatural aproveitando as ondas espirituais do Kappelmuur.

O Muur é curto, apenas com 1km de extensão e com média de 9,3% .A inclinação máxima é de 20% já perto do final.
 

Ganhou notoriedade quando passou a fazer parte dos km finais da Ronde. No Muur fizeram-se ataques lendários. Em 2010 Cancellara descarregou Boonen de tal forma que mais parecia que ia de motorizada. Ballan em 2007 também aí atacou para a vitória em Meerbeke. O italiano, dias depois de conquistar a Ronde, descreve o Muur da seguinte forma: “é uma sensação única e um ruido que nunca ouvi nem vou ouvir em mais lado nenhum do mundo”. Também   Musseeuw, o leão da Flandres, vencedor da prova por 3 vezes (93,95 e 98) descreveu a subida à capela de Oudeberg. Foi mais ousado nas palavras e meio a brincar disse: “ganhar a Ronde no Muur é como ter um orgasmo em cima da bicicleta”.

Cancellara, Muur 2010
 
O Muur tornou-se então o mais importante e mítico “helligen” da Ronde. Era o local onde se faziam os ataques vitoriosos e também o local onde os fanáticos adeptos flemish pernoitavam para conseguir um local privilegiado. É fácil pesquisar fotos de vários anos e reconhecer as caras dos adeptos. As encostas à volta da capela funcionavam quase como os lugares reservados num estádio de futebol .

Mas em 2012 o impensável aconteceu. Oudennarde ganhou a corrida para final da Ronde e Meerbeke ficou para trás. Com esta mudança de meta também o tradicional percurso foi alterado. A dupla Kappelmuur – Bosberg foi substituída pela atual Oude kwaremont – Paterberg e muitos fizeram o funeral à Ronde.
"Funeral" Ronde van Vlaanderen
Era impossível a Ronde, o dia nacional belga, sem a subida ao Muur. Muito se falou na altura e os protestos foram muitos e de diferentes formas. Chegou-se mesmo a fazer o enterro da Ronde! Os adeptos mais fervorosos juraram mesmo que nunca mais viam a corrida. A Ronde estava ferida e para alguns em estado de coma permanente.

Em 2017 o Muur regressou apesar de não ocupar o lugar de destaque de outras edições. Localizado a cerca de 90km da meta, a subida, mesmo assim, tornou-se decisiva na edição de 2017. Coincidências ou não, o que é certo é que com o regresso do Muur as vitórias memoráveis na Ronde voltaram. Gilbert que o diga.

 

Ronde van Vlaanderen 2019

 

A corrida de domingo não traz grandes alterações ao percurso que normalmente é apresentado nos últimos anos. A partida mantém-se em Antuérpia em vez da cidade de Brugge. Desta vez serão 270km até Oudennarde. Os famosos muros/”helligen” estarão lá todos. Além do já falado Muur, que se encontra a 99km da meta, também o mítico Koppenberg, (ver aqui) , o Taaienberg, o Kruisberg/Hotond e a dupla Oude Kwaremont / Paterberg (ultrapassada por duas vezes, a última das quais a cerca de 13km do fim) farão parte da edição 103ª da Ronde.

Ronde van Vlaanderen 2019
 

A corrida de domingo tem uma particularidade. É a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que os belgas não tem nenhuma vitória nas clássicas da semana flamenga que antecedem a Ronde. Groenewegen ganhou a Driedaagse Brugge-De Panne, Stybar a E3 , Kristoff a Gent-Welvegem e na passada quarta feira foi a vez de Mathieu van der Poel alcançar o seu primeiro triunfo World Tour ao vencer a Dwars door Vlaanderen.

Estará a armada belga em baixo de forma? Ou estarão a guardar-se para o dia mais importante? Quem são os favoritos a vencer a Ronde?

É difícil responder a uma pergunta tão difícil. A corrida de domingo está muito aberta! No entanto, podemos apontar 3 grandes favoritos à vitória. Preparem-se que vão ficar surpreendidos. Três campeões do mundo de cyclocross. Zdenek Stybar (Deceuninck – Quick Step ), Wout van Aert (Team Jumbo-Visma) e Mathieu van der Poel ( Corendon-Circus).

O checo da equipa belga, campeão do mundo de cyclocross em 2010/11/14, está numa forma invejável e procura a seu primeiro Monumento. Já fez segundo por duas ocasiões no Paris-Roubaix, prova que até lhe assenta melhor, mas Stybar demonstrou na E3 (mini-Ronde ) que é capaz de passar na frente todas as dificuldades características da região norte da Bélgica. Se a corrida não estiver favorável a Stybar a Deceuninck Quick-Step poderá apostar em Bob Jungels que tão bem andou na E3 e na Dwars door Vlaanderen. Não nos estamos a esquecer de Philippe Gilbert. O valão não corre, à partida, na corrida flamenga. Gilbert está doente. Uma baixa de peso na Wolfpack belga.
Stybar venceu a E3 BinckBanck Classic
 
O atual campeão do mundo de cross é Mathieu van der Poel. Conta apenas com um triunfo em provas do escalão máximo da UCI ao vencer a  Dwars door Vlaanderen. Mesmo assim o holandês é um dos favoritos a conquistar o segundo Monumento do ano. Tem força, sobe com os primeiros e tem uma excelente ponta final para vencer. O cenário ideal para o ciclista da equipa Pro Continental Corendon-Circus seria chegar a Oudennarde integrado num pequeno grupo para discutir a corrida, embora essa situação não aconteça desde 2015 quando Kristoff bateu Niki Terpstra. Se Mathieu van der Poel vencer será um feito notável. No domingo corre o seu primeiro Monumento e vencer na estreia seria um sonho. Notável seria também a sua equipa Pro Continental vencer a Ronde tornando-se na primeira equipa de escalão inferior, desde que há WT, a vencer um Monumento.
Poel estreou-se a vencer na Dwars door Vlaanderen
 
O grande rival de van der Poel no cross e tricampeão mundial da especialidade é o belga Wout van Aert da Team Jumbo Visma. Tem no currículo apenas a Ronde van Vlaanderen de 2018 onde terminou em 9º. Aparenta, tal como Stybar e Poel, estar no seu pico de forma. Ao contrário do rival holandês, se quiser vencer a corrida, Aert tem de atacar nas principais dificuldades e chegar sozinho a Oudennarde. Em comparação com os outros favoritos o belga é o mais forte a fazer grandes acelerações em pequenas subidas e por isso deve apostar tudo na última passagem pela dupla Oude Kwaremont / Paterberg. A cereja em cima do bolo seria Wou van Aert disparar no Koppenberg tal como já fez por diversas vezes no Koppenbergcross.
Aert , Koppenbergcross
 
Depois aparecem os favoritos do costume com Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) à cabeça. O eslovaco não está a ter o início de temporada desejado, embora pareça que o seu ritmo e forma esteja a melhor dia após dia. Sem a pressão de anos anteriores o tri-campeao do mundo pode aproveitar o dia para conquistar a sua segunda Ronde van Vlaanderen.

Quem procura a sua primeira Ronde é Greg van Avermaet (CCC Team). Não esconde que é a vitória que lhe falta e a que mais deseja. Segundo na Omloop Het Niewsblad e terceiro na E3 Avermaet pode ter uma palavra importante a dizer para o desfecho da corrida.  

Niki Terpstra é o dorsal número 1, mas a sua equipa, a Direct Energie está longe dos lugares de cima e provavelmente corre “sozinho” para tentar revalidar o título.

Terpstra venceu em 2018
 

O atual campeão do mundo Alejandro Valverde ( Movistar Team) também marcará presença. De Valverde nunca sabemos o que esperar, principalmente porque nunca vimos o espanhol a subir os muros belgas em pavê. Valverde vai estrear-se no Monumento belga e ganhar a Ronde de arco-iris vestido era…….mítico.

Outros nomes podem ser protagonistas no final dos 270km. Sep Vanmarke, se não cair, Oliver Naesen se recuperar o seu estado de saúde , Mads Padersen se fizer a mesma corrida que fez em 2018 e Matteo Trentin, Kristoff, Michael Mattews se aguentarem as subidas na frente da corrida.

A representação portuguesa está assegurada por Nelson Oliveira da Movistar Team.

E pronto, vamos acabar onde começamos.  No próximo domingo, se forem a uma missa mesmo de verdade rezem muito e façam muitas preces, mas não se esqueçam da Ronde. Depois de terminar vão a correr para casa almoçar. Mas no máximo pelas 14h00 agarrem numa cerveja e vejam a mais espetacular homilia de ciclismo: RONDE VAN VLAANDEREN .



 

Startlist: aqui

Percurso: aqui

Transmissao TV : 09h15m Eurosport 1 ( transmissão na integra )

Hastag: #RVV  #RVV19  #RVV2019 #ronde #rondevanvlaanderen

 
Boas pedaladas

AT

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