No
próximo domingo disputa-se o segundo Monumento ciclístico do ano. Depois da
Milano-SanRemo e da brilhante vitória de Julian Alaphillippe (aqui), temos
então a 103ª edição da Ronde van Vlaanderen . Isto para os flamengos, porque
para os franceses é o Tour de Flandres, para os ingleses o Tour of Flanders e
na nossa língua Volta à Flandres. Nós vamos entrar no espírito e tal como os
flemish vamos chamar-lhe apenas Ronde!
Por
falar em espírito e em espiritualidade, já sabemos como os belgas, principalmente
os da região da Flandres levam estas coisas da religião. Levam muito a sério.
Eles são tão mas tão crentes que nesta altura do ano as provas são quase
diárias e não há estrada, rua ou “helligen “que não seja ultrapassado. Claro
que estamos a falar de ciclismo, a religião predominante no país do Tintin. No
domingo as missas e as manifestações religiosas fazem parte integrante dos
cristãos em todo o mundo que nesta altura começam a celebrar a Pascoa. Na
Bélgica provavelmente também, mas grande parte da população tem na sua Ronde a
principal manifestação espiritual. O borrego é substituído por cerveja e as
igrejas pelos “berg”. A Ronde é o principal evento desportivo da Bélgica e os
ciclistas flemish uns verdadeiros deuses…!
Bem,
nem todas as igrejas são substituídas por “berg”. Há um que é a própria igreja
e a procissão costuma ser das mais devotas.
Kapelmuur |
Falamos
do Muur van Geraardsbergen. Também conhecido no mundo do
ciclismo como Kappelmuur ou para os flamengos simplesmente Muur. E isto
significa muito. É o “muro”! E como sabemos isso é coisa que não falta nesta
região da Bélgica. Para os flemish existem apenas 3 muros: a grande muralha da
China; o muro de Berlim e o seu Muur. Mas a vantagem cai para aquele onde no
domingo haverá uma verdadeira procissão a caminho da Capela de Nossa Senhora de
Oudeberg. Afinal de contas, dos três muros é o único onde a história ainda se está a
fazer. Por exemplo, e apesar de atualmente estar localizado bem longe da meta
da Ronde em Oudennarde, foi no Muur que em 2017 os belgas Quick-Step lançaram o
primeiro ataque levando Phillippe Gilbert para a vitória que teve tanto de belo
como também de supranatural aproveitando as ondas espirituais do Kappelmuur.
O
Muur é curto, apenas com 1km de extensão e com média de 9,3% .A inclinação
máxima é de 20% já perto do final.
Ganhou
notoriedade quando passou a fazer parte dos km finais da Ronde. No Muur fizeram-se
ataques lendários. Em 2010 Cancellara descarregou Boonen de tal forma que mais
parecia que ia de motorizada. Ballan em 2007 também aí atacou para a vitória em
Meerbeke. O italiano, dias depois de conquistar a Ronde, descreve o Muur da
seguinte forma: “é uma sensação única e um
ruido que nunca ouvi nem vou ouvir em mais lado nenhum do mundo”. Também Musseeuw,
o leão da Flandres, vencedor da prova por 3 vezes (93,95 e 98) descreveu a
subida à capela de Oudeberg. Foi mais ousado nas palavras e meio a brincar
disse: “ganhar a Ronde no Muur é como ter
um orgasmo em cima da bicicleta”.
Cancellara, Muur 2010 |
O
Muur tornou-se então o mais importante e mítico “helligen” da Ronde. Era o
local onde se faziam os ataques vitoriosos e também o local onde os fanáticos
adeptos flemish pernoitavam para conseguir um local privilegiado. É fácil pesquisar
fotos de vários anos e reconhecer as caras dos adeptos. As encostas à volta da
capela funcionavam quase como os lugares reservados num estádio de futebol .
Mas
em 2012 o impensável aconteceu. Oudennarde ganhou a corrida para final da Ronde
e Meerbeke ficou para trás. Com esta mudança de meta também o tradicional
percurso foi alterado. A dupla Kappelmuur – Bosberg foi substituída pela atual
Oude kwaremont – Paterberg e muitos fizeram o funeral à Ronde.
Era impossível a
Ronde, o dia nacional belga, sem a subida ao Muur. Muito se falou na altura e
os protestos foram muitos e de diferentes formas. Chegou-se mesmo a fazer o
enterro da Ronde! Os adeptos mais fervorosos juraram mesmo que nunca mais viam
a corrida. A Ronde estava ferida e para alguns em estado de coma permanente.
"Funeral" Ronde van Vlaanderen |
Em
2017 o Muur regressou apesar de não ocupar o lugar de destaque de outras
edições. Localizado a cerca de 90km da meta, a subida, mesmo assim, tornou-se
decisiva na edição de 2017. Coincidências ou não, o que é certo é que com o
regresso do Muur as vitórias memoráveis na Ronde voltaram. Gilbert que o diga.
A
corrida de domingo não traz grandes alterações ao percurso que normalmente é
apresentado nos últimos anos. A partida mantém-se em Antuérpia em vez da cidade
de Brugge. Desta vez serão 270km até Oudennarde. Os famosos muros/”helligen”
estarão lá todos. Além do já falado Muur, que se encontra a 99km da meta,
também o mítico Koppenberg, (ver aqui) , o Taaienberg, o Kruisberg/Hotond e
a dupla Oude Kwaremont / Paterberg (ultrapassada por duas vezes, a última das
quais a cerca de 13km do fim) farão parte da edição 103ª da Ronde.
Ronde van Vlaanderen 2019 |
A
corrida de domingo tem uma particularidade. É a primeira vez desde a Segunda Guerra
Mundial que os belgas não tem nenhuma vitória nas clássicas da semana flamenga
que antecedem a Ronde. Groenewegen ganhou a Driedaagse
Brugge-De Panne, Stybar a E3 , Kristoff a Gent-Welvegem e na passada
quarta feira foi a vez de Mathieu van der Poel alcançar o seu primeiro triunfo
World Tour ao vencer a Dwars door
Vlaanderen.
Estará
a armada belga em baixo de forma? Ou estarão a guardar-se para o dia mais importante?
Quem são os favoritos a vencer a Ronde?
É difícil
responder a uma pergunta tão difícil. A corrida de domingo está muito aberta!
No entanto, podemos apontar 3 grandes favoritos à vitória. Preparem-se que vão
ficar surpreendidos. Três campeões do mundo de cyclocross. Zdenek Stybar (Deceuninck
– Quick Step ), Wout van Aert (Team Jumbo-Visma) e Mathieu van der Poel (
Corendon-Circus).
O checo
da equipa belga, campeão do mundo de cyclocross em 2010/11/14, está numa forma invejável
e procura a seu primeiro Monumento. Já fez segundo por duas ocasiões no
Paris-Roubaix, prova que até lhe assenta melhor, mas Stybar demonstrou na E3 (mini-Ronde
) que é capaz de passar na frente todas as dificuldades características da região
norte da Bélgica. Se a corrida não estiver favorável a Stybar a Deceuninck
Quick-Step poderá apostar em Bob Jungels que tão bem andou na E3 e na Dwars
door Vlaanderen. Não nos estamos a esquecer de Philippe Gilbert. O valão não corre,
à partida, na corrida flamenga. Gilbert está doente. Uma baixa de peso na
Wolfpack belga.
Stybar venceu a E3 BinckBanck Classic |
O
atual campeão do mundo de cross é Mathieu van der Poel. Conta apenas com um
triunfo em provas do escalão máximo da UCI ao vencer a Dwars door Vlaanderen. Mesmo assim o holandês
é um dos favoritos a conquistar o segundo Monumento do ano. Tem força, sobe com
os primeiros e tem uma excelente ponta final para vencer. O cenário ideal para
o ciclista da equipa Pro Continental Corendon-Circus seria chegar a Oudennarde
integrado num pequeno grupo para discutir a corrida, embora essa situação não aconteça
desde 2015 quando Kristoff bateu Niki Terpstra. Se Mathieu van der Poel vencer será
um feito notável. No domingo corre o seu primeiro Monumento e vencer na estreia
seria um sonho. Notável seria também a sua equipa Pro Continental vencer a
Ronde tornando-se na primeira equipa de escalão inferior, desde que há WT, a vencer um Monumento.
Poel estreou-se a vencer na Dwars door Vlaanderen |
O grande
rival de van der Poel no cross e tricampeão mundial da especialidade é o belga Wout van Aert da Team
Jumbo Visma. Tem no currículo apenas a Ronde van Vlaanderen de 2018 onde terminou
em 9º. Aparenta, tal como Stybar e Poel, estar no seu pico de forma. Ao
contrário do rival holandês, se quiser vencer a corrida, Aert tem de atacar nas
principais dificuldades e chegar sozinho a Oudennarde. Em comparação com os
outros favoritos o belga é o mais forte a fazer grandes acelerações em pequenas
subidas e por isso deve apostar tudo na última passagem pela dupla Oude
Kwaremont / Paterberg. A cereja em cima do bolo seria Wou van Aert disparar no
Koppenberg tal como já fez por diversas vezes no Koppenbergcross.
Aert , Koppenbergcross |
Depois
aparecem os favoritos do costume com Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) à cabeça. O
eslovaco não está a ter o início de temporada desejado, embora pareça que o seu
ritmo e forma esteja a melhor dia após dia. Sem a pressão de anos anteriores o tri-campeao
do mundo pode aproveitar o dia para conquistar a sua segunda Ronde van
Vlaanderen.
Quem
procura a sua primeira Ronde é Greg van Avermaet (CCC Team). Não esconde que é
a vitória que lhe falta e a que mais deseja. Segundo na Omloop Het Niewsblad e
terceiro na E3 Avermaet pode ter uma palavra importante a dizer para o desfecho
da corrida.
Niki
Terpstra é o dorsal número 1, mas a sua equipa, a Direct Energie está longe dos
lugares de cima e provavelmente corre “sozinho” para tentar revalidar o título.
Terpstra venceu em 2018 |
O atual
campeão do mundo Alejandro Valverde ( Movistar Team) também marcará presença.
De Valverde nunca sabemos o que esperar, principalmente porque nunca vimos o
espanhol a subir os muros belgas em pavê. Valverde vai estrear-se no Monumento
belga e ganhar a Ronde de arco-iris vestido era…….mítico.
Outros
nomes podem ser protagonistas no final dos 270km. Sep Vanmarke, se não cair,
Oliver Naesen se recuperar o seu estado de saúde , Mads Padersen se fizer a mesma corrida que fez em
2018 e Matteo Trentin, Kristoff, Michael Mattews se aguentarem as subidas na
frente da corrida.
A representação
portuguesa está assegurada por Nelson Oliveira da Movistar Team.
E pronto,
vamos acabar onde começamos. No próximo
domingo, se forem a uma missa mesmo de verdade rezem muito e façam muitas preces,
mas não se esqueçam da Ronde. Depois de terminar vão a correr para casa almoçar.
Mas no máximo pelas 14h00 agarrem numa cerveja e vejam a mais espetacular homilia
de ciclismo: RONDE VAN VLAANDEREN .
Startlist:
aqui
Percurso:
aqui
Transmissao
TV : 09h15m Eurosport 1 ( transmissão na integra )
Boas
pedaladas
AT
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