Orcières - Merlette : 1971 |
A primeira chegada em
alto do Tour de France 2020 acontecerá hoje na estância de ski de Orcières-
Mertette. Uma 1ª Cat com 7,1km de extensão e uma média de inclinação de
6,7%. As percentagens ao longo da subida são constantes e regulares e por isso
a subida a Orcières – Merlette não deverá provocar grandes diferenças entre os
favoritos a vencer o Tour de France. É a quinta vez que a pequena estância de
ski situada nos Hautes-Alpes a 1825m de atitude recebe uma chegada da Grande
Boucle. Se hoje é de esperar que não haverá diferenças significativas entre os
principais favoritos, o mesmo não se passou a 8 julho de 1971. Um dos
dias mais espetaculares do Tour. Um dia em que no seu expoente máximo de domínio,
o merckxismo foi derrotado por KO!
A edição 58 do Tour
de France partiu para a estrada em Mulhouse com três grandes candidatos a
vencer a competição. Eddy Merckx tinha ganho nos dois anos anteriores
com grande margem de vantagem para os seus adversários. Em 1969, o ano da sua
primeira vitória no Tour, o “Canibal “belga vence todas as camisolas e acaba em
Paris com 17m54s a menos que o francês Roger Pingeon. Da Holanda vinha um jovem trepador que deu
nas vistas na Vuelta disputada no mês de maio ganhando a classificação da
montanha. Falamos de Joop Zoetemelk que haveria mais tarde de vencer o
Tour de France (1980) , a Vuelta ( 1979) , os campeonatos do mundo ( 1985) além
de outras provas de grande prestigio. E finalmente de Cuenca, Espanha, o ciclista
da BIC Luis Ocaña que havia vencido a Vuelta 1970 e em 1971 apresentava-se
num excelente momento de forma ao ponto do próprio ciclista espanhol a afirmar que
no Tour de 1971 iria vencer Merckx. Isso não aconteceu e já vamos saber
porquê.
Luis Ocaña e Eddy Merckx - Tour 1971 |
Ocaña não venceu o Tour de 1971, mas foi o seu grande herói.
Na etapa 8 com
final em Puy de Dome, Luis Ocaña ataca a 5km da meta sendo perseguido
por Agostinho e Zoetemelk. Merckx é o último dos grandes favoritos a responder,
mas consegue encurtar a distância para o espanhol de tal forma que chega ao
cume de Puy de Dome com apenas 15s de atraso para Ocaña. Eram apenas 15s, mas
foi a primeira vez que o Canibal foi desafiado e sai derrotado. A margem de 15s
de Ocaña para Merckx seria alargada na jornada entre Saint-Étienne e
Grenoble. Merckx fura e na frente Ocaña e o holandês Zoetemelk aceleram
para ganhar 1m36s ao Canibal. Zoop era agora o novo camisola amarela.
Até que chega o grande dia. O dia em que Ocaña faz uma epopeia a recordar Bartali e Coppi. Uma jornada de apenas 136km onde o espanhol arrasa a concorrência a muitos quilómetros da meta instalada em Orciéres- Merlette. Um dia de loucos onde logo na Côte de Laffrey o português Joaquim Agostinho, nesse ano a correr pela Hoover tendo terminado em 5º lugar, é o primeiro a atacar forte a corrida. De tal forma que o pelotão foi completamente dizimado nas primeiras inclinações de “a Rampa “, como é apelidada localmente a Cotê de Laffrey. O ritmo de Tinô era impressionante e começa a abrir um espaço interessante para os restantes adversários. Lá atrás, Ocaña decide avaliar as condições físicas de Merckx. Ao ritmo forte do espanhol em busca do português, o belga não tem capacidade de responder e mais uma vez verga perante a força de um Luís Ocaña que parece voar nas rampas do Tour 1971. Misteriosamente o diretor da Hoover manda Agostinho esperar pelo trio que fugiu do pelotão e no cume da Cotê de Lafrrey o português foi o primeiro a passar, mas já com a companhia de luxo de Van Impe, Zoetemelk e Ocaña.
Agostinho, Ocaña, Zoetemelk e van Impe - Etapa 11 : Tour 1971 |
Depois no Col du Noyer todos vergaram perante a exibição de Ocaña que sozinho, em contrarelógio, enfrenta a derradeira subida final a Orcières- Merlette. Ao cruzar a meta o inimaginável no Tour 1971. Luis Ocaña termina a etapa vestido de amarelo. Atenção, com 8m42s de vantagem para Eddy Merckx. Sim, em 1971, Ocaña derrota Merckx de tal forma que o belga chega a afirmar: “Ocaña matou-nos a todos, como os toureiros fazem nas touradas” . E conclui: “é isto o desporto. Na vida, como no desporto, assistimos a acontecimentos fantásticos. Não há mais nada a dizer. É essa a regra, saber reconhecer o mérito”.
Ocaña - Orciéres- Merlette |
A chuva, o vento e
o granizo apareceram de forma intensa na etapa 14 que ligava Revel a
Luchon. Na descida do col de Menté Eddy Merckx procura distanciar-se
de Ocaña de tal forma que falha uma curva e cai. O espanhol não consegue evitar
o embate e vai também ao chão. Enquanto Merckx se levanta e recomeça, Ocaña
fica no chão com o pé preso no pedal. Zoetemellk também não consegue evitar a
queda e bate de frente com o espanhol. O camisola amarela fica muito mal tratado
temendo-se o pior. É o abandono de Luis Ocaña que é transportado para o
hospital de helicóptero. Merckx vence a etapa e veste também de amarelo. Não
foi bem assim. Ao saber do sucedido a Ocaña, o Canibal recusa-se a subir ao
pódio em Luchon e recusa-se também a vestir a camisola amarela, pois para
Merckx essa “é do Luis com todo o mérito”. Foi até mais longe, não queria
vestir a camisola mais desejada até ao final em Paris. Depois de muito
insistir, a organização lá convenceu o belga a usar o símbolo de líder da
Grande Boucle e é de amarelo vestido que Merckx vence o contrarrelógio final de
Versailles a Paris onde Joaquim Agostinho foi segundo classificado.
Ocaña: Col de Menté |
Ocaña recupera do trágico acidente e apresenta-se no Tour do ano seguinte pronto para mais uma vez desafiar Eddy Merckx. O belga não tinha o Tour de 1972 nos seus planos, mas devido aos críticos que afirmavam que o Canibal só tinha vencido o seu terceiro Tour por causa da infelicidade de Ocaña, Merckx muda o seu calendário e apresenta-se para o tão aguardado duelo. Só que Ocaña é um ciclista de azar e uma grave crise de bronquite força-o a abandonar a competição nas etapas dos Pirinéus.
Em 1973, aproveitando a ausência de Merckx que compete e ganha o Giro e Vuelta, o
ciclista de Cuenca vence o Tour de France em 1973 ainda ao serviço da BIC com a
ajuda do português Joaquim Agostinho.
Luis Ocaña, Tour 1973 |
Luis Ocaña morre de forma trágica em 1994 com 48 anos de idade, mas isso agora não interessa para nada!
Viva Don Luis de Cuenca!
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