Começa na próxima quarta-feira, 20 de março, a 37ª edição da Volta
ao Alentejo em Bicicleta, carinhosamente apelidada de “A Alentejana”.
Tal como nas pessoas também nos eventos, se o “nome próprio” é substituído
por uma alcunha é sinal de prestigio e de autenticidade. A Alentejana é única!
É no ponto de vista desportivo, apenas na edição de 2017 se repetiu um vencedor,
mas também o é do ponto de vista social e cultural. A Alentejana é a montra de
uma cultura e de um povo. É o maior evento de promoção da região Alentejo com
periodicidade anual.
A Alentejana também é feita de convívio. Em nenhuma outra prova
realizada em Portugal essa componente foi tão importante para o nascimento e
para o crescer de uma prova de ciclismo. É certo que essa componente já não
está tão vincada na fase adulta da Volta ao Alentejo.
A primeira edição foi em 1983.
O Passado: a
breve estória da Volta ao Alentejo
A Alentejana nasceu em 1983 através de um conjunto de amigos.
Todos tinham em comum duas características: eram alentejanos e entusiastas do
ciclismo.
Joaquim Mendes: impulsionador da Volta ao Alentejo |
Tudo começou com Joaquim Mendes, na altura vereador da Câmara
Municipal de Évora, ao propor uma prova desportiva que percorresse o território
da região Alentejo. A ideia era ter um acontecimento desportivo de impacto nacional,
mas também criar um evento de promoção do património cultural do Alentejo. A
proposta foi aceite e estava lançada a primeira pedra da Alentejana.
Mas era preciso mais! Eram precisos patrocínios, organização e
comunicação social.
Para o sucesso da primeira edição muito contribuíram alguns nomes.
Com certeza muitos mais do que aqueles mencionados de seguida.
Aníbal Oliveira, da Federação Portuguesa de Ciclismo, foi um
deles. Nas primeiras edições da prova
teve um papel fundamental na definição de percursos e também na ligação entre a
organização e a FPC. Para Aníbal Oliveira a Alentejana era única: “…havia uma coisa que era fantástica e que não
acontecia em mais lado nenhum. No final das etapas havia sempre uma confraternização,
íamos todos jantar ao mesmo sitio, havia sempre um rancho ou um grupa de cantares.
Era totalmente diferente das outras. A Volta ao Alentejo era fascinante “
Outro nome incontornável na estória da Alentejana e também do
ciclismo alentejano foi Manuel Francisco, mais conhecido por Manuel da Gaita.
Manuel da Gaita: eborense e ex ciclista |
Ciclista na sua juventude e um amante da sua região, Manuel da
Gaita tinha um sonho: ver uma prova de ciclismo a percorrer as estradas do seu
Alentejo. Decisivo na ajuda em fundar a Alentejana, foi Manuel da Gaita que
acompanhou Joaquim Mendes na visita com sucesso à FPC para convencer Aníbal Oliveira.
O ex ciclista eborense era um polivalente na organização da prova: responsável
pelas metas, pelos alojamentos, pela marcação dos percursos ou até pelos patrocínios,
Manuel Francisco desenrascava qualquer situação. Afinal de contas ele conhecia
toda a gente no Alentejo e todos conheciam o “famoso “ciclista …Manuel da
Gaita.
Faleceu nas vésperas da 24ª edição da Volta ao Alentejo.
A prova ia ganhando impacto e importância edição após edição. Aparecia
nas televisões e também nos jornais. Nunca o Alentejo tinha tido uma cobertura
tão grande.
Teixeira Correia: além de jornalista já fez de speaker da Alentejana. Tem 35 Voltas ao Alentejo no curriculum |
A comunicação social desempenhou também um papel de relevo e de
grande importância. No inicio muito contribuíram nomes como Homero Serpa do Jornal
A Bola e a suas crónicas sobre a vertente desportiva, mas também sobre a
cultura alentejana. Guita Júnior do Diário de Notícias, que acompanhou a prova
desde a sua primeira edição e também os alentejanos Fernando Emílio e Teixeira
Correia. Os dois ainda hoje são nomes incontornáveis da Volta ao Alentejo e responsáveis
pela divulgação da prova alentejana.
F.Emílio: um dos principais nomes do jornalismo de ciclismo em Portugal |
A edição de 1996 ficará para a historia e Fernando Emílio está intrinsecamente
ligado ao ano de maior sucesso desportivo da Alentejana: a participação de Miguel
Indurain, a maior figura do pelotão internacional. Foi Fernando Emílio
atualmente no jornal A Bola, na altura também correspondente do jornal
desportivo “A Marca” que apresentou, Alfredo Barroso, diretor da prova e um dos
nomes mais importantes da Alentejana e Armando Oliveira à equipa do campeão
espanhol: Banesto. Tudo aconteceu num hotel em Málaga no final de uma etapa da
Volta à Andaluzia. Fernando Emílio conta que: “foi nesse momento que conseguimos convencer o manager da equipa e
trouxemos o Miguel Indurain a Portugal…a partir dai a Alentejana projetou-se a
nível internacional “
A vinda de Miguel Indurain foi um verdadeiro sucesso: imagens do
Alentejo nas televisões espanholas, mais de uma centena de jornalista a
acompanhar a prova e multidões nas chegadas e nas partidas à procura de um
autografo. Um colégio de freiras de Badajoz chegou mesmo a ir a Elvas, apenas
para ver Miguel Indurain, conta Armando Oliveira.
Miguel Indurain ganhou o contrarrelógio inicial de Sines e nunca
mais despiu a camisola amarela da edição de 1996. A Volta ao Alentejo tinha agora um penta
campeão do Tour de France.
Miguel Indurain (vencedor em 1996), Alfredo Barroso (Diretor de Prova) e Abílio Fernandes ( Pres. CM Évora) |
A Alentejana tem-se mantido até aos dias de hoje com os altos e
baixos próprios de um desporto que vive muito de patrocínios. Apesar de manter sempre o estatuto
internacional a prova passou por uma longa fase onde apenas participavam as equipas
portuguesas.
A edição do ano 2017 do
ponto de vista competitivo voltou a trazer bons nomes e boas equipas. Muito
contribuíram 2 fatores: a prova subiu de escalão UCI e passou a 2.1 e disputou-se
na semana seguinte à Volta ao Algarve aproveitando a presença de equipas World
Tour e Pro Continentais. Foi na edição de 2017 que se quebrou a tradição e a
Alentejana foi ganha por um repetente: Carlos Barbero da Movistar.
O ano passado voltaram as vitórias portuguesas. Desde 2006 que a
Alentejana não era vencida por um ciclista luso. Foi Luis Mendonça da Aviludo-Louletano
que acabou vestido de amarelo na Praça do Giraldo em Évora.
Luis Mendonça: vencedor em 2018 |
Fonte: A Alentejana: CIMAC
O Presente: Volta
ao Alentejo 2019.
A edição de 2019 da Volta ao Alentejo não tem grandes novidades. A
prova desceu de escalão em 2018 e em 2019 mantém a categoria 2.2. Prova Internacional,
mas com abertura a equipas sub-23. Tal
como em 2018, a luta individual contra o
relógio que há muito estava ausente da prova alentejana disputa-se em Castelo
de Vide e deverá ser mesmo decisiva para o desfecho final.
Como já foi referido a Volta ao Alentejo é 2.2. Não tem inscritas
equipas do escalão máximo e apenas conseguiu atrair 2 equipas Pro
Continental:
W52/FC Porto (Port);
Euskadi
Basque Country - Murias
(ESP)
As restantes equipas são Continentais:
Aviludo – Louletano (Portugal)- Escalão: Continental;
Efapel (Portugal)- Escalão: Continental;
LA Alumínios-LA Sport (Portugal)- Escalão: Continental;
Miranda – Mortágua (Portugal)- Escalão: Continental;
Rádio Popular – Boavista (Portugal) - Escalão: Continental;
Sporting – Tavira (Portugal)- Escalão: Continental;
UD Oliveirense- Inoutbuild (Portugal)- Escalão: Continental;
Vito - Feirense - PNB (Portugal)- Escalão: Continental;
Bai-Sicasal-Petro (Angola)– Escalão: Continental;
Differdange Geba (Luxemburgo)– Escalão: Continental;
Fundacion Euskadi (Espanha)- Escalão: Continental;
Lokosphinx (Rússia)- Escalão: Continental;
SRA (Suíça)–
Escalão: Continental;
Team Wiggins (Reino Unido) - Escalão: Continental;
UNO X (Noruega)– Escalão: Continental;
A única formação sub-23 é, curiosamente, estrangeira:
Seleção U23 Great Britain (Reino Unido) – Escalão: Sub 23.
É algo que não se percebe. Quando existem poucas provas no calendário
sub-23 em Portugal, a organização, por “razões estratégicas”, decide não
convidar nenhuma equipa de formação portuguesa. A estratégia da Alentejana e
nesta fase da sua vida deveria passar precisamente por isso: a promoção das
equipas mais jovens em Portugal. As equipas de escola e sub-23 trabalham
arduamente durante o ano e depois é-lhe negada a possibilidade de competir ao
mais alto nível nacional. O mais estranho e caricato é o único convite a
equipas sub-23 ter sido endereçado além-fronteiras: a seleção Britânica. Qual a
razão? Há algum tipo de problema entre a Podium Events, as equipas sub-23 portuguesas e a Federação Portuguesa de Ciclismo?
Ou a presença da seleção sub-23 do Reino Unido trará contrapartidas financeiras
para a organização. E isso não iria acontecer naturalmente com as formações portuguesas?
O que sabemos é o que está a vista! Uma oportunidade perdida para os jovens
ciclistas portuguesas evoluírem. Muito mau!
Ponto alto competitivo será certamente o dia de Sábado com uma
jornada dupla: de manhã a etapa é curta, mas com um final exigente: apenas 74,3
km a ligar Ponte de Sor a Portalegre, mas com uma passagem pela subida de
Cabeço de Mouro que apesar de curta tem inclinação média bastante elevada com
rampas a chegar aos 15% e está apenas a 5km do final na cidade de Portalegre.
De tarde corre-se o CRI. Um CRI de 8,4km que será a ascensão à
senhora da Penha e a descida para a “Sintra do Alentejo”: Castelo de Vide.
RESUMO
ETAPAS 2019
1ª
Etapa - 20.03 - Partida Simbólica: 10h35 – Montemor-o-Novo/Moura – 208,1km -
Chegada Prevista: 15h54
Etapa1: Montemor-Moura |
2ª
Etapa - 21.03 - Partida Simbólica: 11h20 – Mértola/Odemira – 182,8km - Chegada
Prevista: 15h57
Etapa 2: Mértola-Odemira |
3ª
Etapa - 22.03 - Partida Simbólica: 11h25 – Santiago do Cacém/Mora – 176,5km -
Chegada Prevista: 15h48
Etapa 3: Santiago do Cacém- Mora |
4ª
Etapa - 23.03 - Partida Simbólica: 10h30 - Ponte de Sor/Portalegre – 74,3km -
Chegada Prevista: 12h23
Etapa 4: Ponte de Sor - Portalegre |
5ª
Etapa - 23.03 - 1º Corredor: 16h00 – Castelo de Vide/Castelo de Vide – 8,4km -
Chegada Prevista: 18h27
Etapa 5: Castelo de Vide-Castelo Vide |
6ª
Etapa - 24.03 - Partida Simbólica: 11h20 – Portalegre/Évora – 152km - Chegada
Prevista: 15h12
Etapa 6: Portalegre - Évora |
O Futuro.
Aquela mística e alma que se viveram no inicio da prova, perderam-se
um pouco e a vertente desportiva também, com a exceção que foi a agradável
surpresa da edição de 2017. Mesmo assim a Volta ao Alentejo continua a ser o
maior evento realizado na região.
Pode a Alentejana voltar a ser uma festa de confraternização e ao
mesmo tempo ter ambição desportiva? A Alentejana é propriedade da CIMAC: Comunidade
Intermunicipal do Alentejo Central. Será que desportivamente está “amarrada “ao
poder local? Mas esta ligação ao poder local é o que mantem a chama acesa da
Alentejana? E se um dia a Alentejana sair da CIMAC? Irá perder a autenticidade
e as suas características até hoje únicas nas provas de ciclismo organizadas em
Portugal? Para que lado deverá pender a balança?
São muitas e importantes perguntas para poucas respostas o que é
injusto para quem tem o trabalho de ano após ano organizar a prova. Afinal de
contas a Alentejana nasceu em 1983 e nunca falhou um ano.
Em 2017, ao colar a Volta ao Alentejo com a Algarvia os resultados
foram visíveis. Subida de escalão e presença de equipas World Tour e Pro
Continentais de elevado valor. Do Algarve ao Alentejo é um “pulinho” e algumas
equipas permaneceram em Portugal e fizeram as duas competições numa altura em
que ainda faz muito frio e neva no resto da Europa. Tal como o Algarve também o
Alentejo tem bom tempo, boas estradas e boa hotelaria. Sim, é verdade. Equipas World Tour apenas
participou a Movistar, mas há muito tempo que a Alentejana não tinha uma equipa
da elite do pelotão internacional.
O grande problema da Volta ao Alentejo para as principais equipas
mundiais é a logística. Esse foi o factor que em 2017 afastou algumas equipas
Word Tour que fizeram a Volta ao Algarve e não competiram no Alentejo. Ao contrário
do que acontece no Algarve, onde as equipas ficam instaladas no mesmo hotel
durante uma semana e as deslocações para os locais de partida e das chegadas
aos hotéis são relativamente curtas, no Alentejo isso é impossível e as equipas
tem de mudar frequentemente de hotel ou então percorrer longas distâncias todos
os dias. As equipas World Tour não querem isso. Infelizmente ainda consideram a
Alentejana uma prova de baixo valor competitivo levando a sua “capacidade
instalada” de logística para outras partes do mundo.
Mas se queremos uma Volta ao Alentejo a percorrer todos os
distritos da região esta situação permanecerá. Não à volta a dar. O Alentejo é
um terço de Portugal continental e nós, alentejanos, gostamos dele assim ao
mesmo tempo que continuamos a gostar da nossa Alentejana com ou sem equipas da
elite mundial.
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