segunda-feira, 7 de maio de 2018

Gino Bartali - uma corrida para a vida.

Bartali  - uma das 1ª  fotos conhecidas em cima da bicicleta



Na historia do ciclismo há nomes que ficarão para sempre na nossa memoria e no nosso imaginário.
Se Sagan é uma estrela, Contador um ídolo, Pantani um ícone, Hinault uma referência e Merckx um recordista, foi porque outros, antes, escreveram as páginas de ouro do ciclismo, trazendo um certo misticismo fazendo brilhar os olhos de adeptos e apaixonados pelas bicicletas. 
Gino Bartali foi um deles. É provavelmente a primeira grande “estrela “do ciclismo mundial. É impossível gostar de ciclismo e não admirar o italiano voador.
Bartali nasceu em 1914, precisamente no dia de hoje, na região da Toscana, no seio de uma família pobre de camponeses profundamente católicos e conservadores. Cedo se apaixonou pelas bicicletas e com o seu primeiro ordenado, ganho a trabalhar no campo com o pai, conseguiu comprar a sua primeira maquina. O amor foi imediato.

O ciclismo de competição vem por acréscimo e de forma natural, apesar de contrariar a vontade do seu pai. Com apenas 22 anos vence o seu primeiro Giro de Itália, vitória que repetiu no ano seguinte. Foi também nesse ano – 1937 , integrando a seleção transalpina,  que participa pela primeira vez no competição velocipédica mais importante: o famoso Tour de France . Completamente esgotado da prova italiana é forçado a abandonar mas apesar da desistência da prova, o homem da Toscana vence a etapa rainha nos Alpes franceses. Bartali foi o primeiro a passar no mítico Galibier. Os dados estavam lançados e com 24 anos domina por completo o Tour de 1938. Ganhou a classificação geral, 2 etapas e a classificação da montanha conquistando o Tourmalet, Aubisque, Aspin e o Izoard. Estava então encontrado um novo herói desportivo: Gino Bartali. Mas tudo mudaria rapidamente
Tour 1938 - Bartali na etapa em Vars

Recebido em Itália em apoteose como um verdadeiro herói nacional, depressa Mussolini, ditador italiano, quis fazer de Bartali um porta-estandarte do seu regime. Para Mussolini, se Gino conseguiu ganhar a mais prestigiada e difícil prova de ciclismo do mundo, então é porque os italianos também pertenciam “à raça superior”. Il Pio, como ficou mais tarde conhecido, recusou todo este protagonismo, facto esse que Il Dulce, o ditador, nunca lhe perdoaria. O ciclista italiano é então acusado de antipatriotismo. A ferida estava aberta e nunca chegou a fechar.
Como retaliação Mussolini proíbe a participação da seleção italiana no Tour de 1939 que se realizou sem a sua grande figura de então: Bartali.
No auge da sua carreira e performance desportiva, as lutas que travou com o governo italiano e o deflagrar da Segunda Guerra Mundial, impediram-no de voltar a competir durante 7 anos. A Volta a França- La Grand Boucle, foi suspensa durante o conflito militar e não se realizou entre 1940 e 1946, mas isso não foi motivo para Gino encostar a bicicleta. Pelo contrário. Durante este longo período, o italiano aproveitou para manter a forma física, para incentivar o uso da bicicleta nas grandes cidades italianas e também na sua Toscana rural, valendo-se da sua enorme popularidade sobretudo junto do povo italiano. Mas também aproveitou este interregno na competição para salvar vidas.
A ocupação do norte de Itália pelas tropas nazis levou à perseguição dos judeus italianos. Muitos foram deportados e mortos nos campos de concentração do centro da Europa.
Foram estes acontecimentos que fizeram com que Il Pio corresse durante os anos seguintes a mais importante e difícil prova da sua vida.
Nunca renegando os valores humanistas, Bartali entrou num esquema de falsificação de documentos ajudando a salvar a vida a milhares de judeus italianos
O esquema era simples. Os monges de Assis, cidade italiana, faziam os documentos e Bartali tinha como função distribui-los aos judeus perseguidos por toda a Itália. O esconderijo era nada mais nada menos que a sua paixão. A sua própria bicicleta. Entre 1941 e 1945 Bartali transportou nas tubagens da sua bicicleta milhares de documentos que foram o passaporte para a liberdade de muitos italianos. Quando era interrogado por uma rusga do regime a desculpa era simples: andava simplesmente a treinar e ninguém podia mexer na sua bicicleta pois uma pequena alteração fazia perder a velocidade nas descidas e a agilidade nos terrenos mais ingremes. A sua popularidade tornou-o imune em toda a Itália e fez com que nunca fosse apanhado. O esquema resultou em absoluto.
O facto de conhecer como ninguém as estradas brancas da Toscana, os famosos sterratos, fez com que muitas vezes fosse também o guia da fuga de muitos daqueles que eram perseguidos pelos regimes de Roma e de Berlim.
Bartali nunca comentou publicamente a sua generosidade ao salvar a vida a alguém que era perseguido apenas pela sua raça. Sempre quis ser reconhecido pelos feitos no ciclismo. Só mais tarde, depois da sua morte , e com a ajuda de documentos e relatos de sobreviventes , se descobriu a importância do ciclista italiano na ajuda aos judeus italianos .
Bartali e Nicollini, bispo de Assis
Com o fim da guerra na Europa, o ciclismo de competição volta. Bartali ganha o Giro de 1946 mas não participa no Tour de 1947. Em Itália muitos dizem que o tempo de Bartali já tinha passado e surgem novos nomes. O jovem Fausto Coppi é o mais sonante.
Mas o homem da Toscana não desiste e no Tour de 1948 demonstra toda a sua classe. É talvez a mais brilhante e mítica vitoria de todos os tempos. 
Nesse mesmo ano disputa-se em Itália a mais difícil eleição da nova republica. O país fica dividido e à beira de uma guerra civil. No decorrer da prova francesa o líder da oposição, Togliatti, sofre uma tentativa de assassinato, é baleado e hospitalizado. O clima nas ruas de Itália fica a ferver e a guerra está iminente. Até que a meio da prova, Gino Bartali recebe uma mensagem desesperada do primeiro ministro italiano, De Gasperi. O pedido era simples mas monstruoso. O povo italiano precisava de um motivo para se unir. Ou Bartali vencia o Tour ou a Itália provavelmente entraria numa guerra civil.  Durante a prova o conflito interno parava e todos ficavam colados aos rádios para ouvir noticias do seu herói desportivo. As lutas politicas e civis eram postas de lado e todos torciam pelo corredor toscano. Depois do coma, Togliatti acordou. A sua primeira preocupação foi saber a classificação de Bartali.
Gino Bartali venceu o Tour de 1948. Ganhou 7 etapas e evitou uma guerra no seu próprio pais.
Bartali recebido como herói , numa Itália à beira da guerra civil
Até hoje mantem o record de vencedor do Tour com maior intervalo de tempo. Gino vence o Tour de 1938 com 24 anos e só volta a vencer passados 10 anos.
Como em tudo na historia, também com Bartali permanecerá a duvida eterna. E se não tivesse havido a guerra? E se Bartali competisse os Tour’s que não existiram? Bartali seria hoje o maior ciclista de todos os tempos? Nunca saberemos. Mas de uma coisa temos a certeza. Bartali foi um herói. Um verdadeiro herói em cima de uma bicicleta. Tanto na competição como naquilo que há de mais importante e valioso: a vida humana.
Este exemplo excecional de humanismo já ninguém tira a Gino Bartali e o seu legado permanecerá para sempre.
Viva o Leão da Toscana !


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