sábado, 4 de abril de 2020

Ronde van Vlaanderen


 
Hoje disputava-se  o segundo Monumento ciclístico do ano. Depois da Milano-SanRemo e teríamos  então, se o COVID-19 fosse " amigo", a 104ª edição da Ronde van Vlaanderen . Isto para os flamengos, porque para os franceses é o Tour de Flandres, para os ingleses o Tour of Flanders e na nossa língua Volta à Flandres. Nós vamos entrar no espírito e tal como os flemish vamos chamar-lhe apenas Ronde!

Por falar em espírito e em espiritualidade, já sabemos como os belgas, principalmente os da região da Flandres levam estas coisas da religião. Levam muito a sério. Eles são tão mas tão crentes que nesta altura do ano as provas são quase diárias e não há estrada, rua ou “helligen “que não seja ultrapassado. Claro que estamos a falar de ciclismo, a religião predominante no país do Tintin. No domingo as missas e as manifestações religiosas fazem parte integrante dos cristãos em todo o mundo que nesta altura começam a celebrar a Pascoa. Na Bélgica provavelmente também, mas grande parte da população tem na sua Ronde a principal manifestação espiritual. O borrego é substituído por cerveja e as igrejas pelos “berg”. A Ronde é o principal evento desportivo da Bélgica e os ciclistas flemish uns verdadeiros deuses…!

Bem, nem todas as igrejas são substituídas por “berg”. Há um que é a própria igreja e a procissão costuma ser das mais devotas.

Kapelmuur
 

Falamos do Muur van Geraardsbergen. Também conhecido no mundo do ciclismo como Kappelmuur ou para os flamengos simplesmente Muur. E isto significa muito. É o “muro”! E como sabemos isso é coisa que não falta nesta região da Bélgica. Para os flemish existem apenas 3 muros: a grande muralha da China; o muro de Berlim e o seu Muur. Mas a vantagem cai para aquele onde hoje haveria uma verdadeira procissão a caminho da Capela de Nossa Senhora de Oudeberg. Afinal de contas, dos três muros é o único onde a história ainda se está a fazer. Por exemplo, e apesar de atualmente estar localizado bem longe da meta da Ronde em Oudennarde, foi no Muur que em 2017 os belgas Quick-Step lançaram o primeiro ataque levando Phillippe Gilbert para a vitória que teve tanto de belo como também de supranatural aproveitando as ondas espirituais do Kappelmuur.

O Muur é curto, apenas com 1km de extensão e com média de 9,3% .A inclinação máxima é de 20% já perto do final.
 

Ganhou notoriedade quando passou a fazer parte dos km finais da Ronde. No Muur fizeram-se ataques lendários. Em 2010 Cancellara descarregou Boonen de tal forma que mais parecia que ia de motorizada. Ballan em 2007 também aí atacou para a vitória em Meerbeke. O italiano, dias depois de conquistar a Ronde, descreve o Muur da seguinte forma: “é uma sensação única e um ruido que nunca ouvi nem vou ouvir em mais lado nenhum do mundo”. Também   Museeuw, o leão da Flandres, vencedor da prova por 3 vezes (93,95 e 98) descreveu a subida à capela de Oudeberg. Foi mais ousado nas palavras e meio a brincar disse: “ganhar a Ronde no Muur é como ter um orgasmo em cima da bicicleta”.

Cancellara, Muur 2010
 
O Muur tornou-se então o mais importante e mítico “helligen” da Ronde. Era o local onde se faziam os ataques vitoriosos e também o local onde os fanáticos adeptos flemish pernoitavam para conseguir um local privilegiado. É fácil pesquisar fotos de vários anos e reconhecer as caras dos adeptos. As encostas à volta da capela funcionavam quase como os lugares reservados num estádio de futebol .


Mas em 2012 o impensável aconteceu. Oudennarde ganhou a corrida para final da Ronde e Meerbeke ficou para trás. Com esta mudança de meta também o tradicional percurso foi alterado. A dupla Kappelmuur – Bosberg foi substituída pela atual Oude kwaremont – Paterberg e muitos fizeram o funeral à Ronde.
"Funeral" Ronde van Vlaanderen
Era impossível a Ronde, o dia nacional belga, sem a subida ao Muur. Muito se falou na altura e os protestos foram muitos e de diferentes formas. Chegou-se mesmo a fazer o enterro da Ronde! Os adeptos mais fervorosos juraram mesmo que nunca mais viam a corrida. A Ronde estava ferida e para alguns em estado de coma permanente.

Em 2017 o Muur regressou apesar de não ocupar o lugar de destaque de outras edições. Localizado a cerca de 90km da meta, a subida, mesmo assim, tornou-se decisiva na edição de 2017. Coincidências ou não, o que é certo é que com o regresso do Muur as vitórias memoráveis na Ronde voltaram. Gilbert que o diga.

Mas este ano não haverá nem Muur, nem Patenberg, nem Oude Kwaremont , nem Koppenberg , nem berg nenhum ! Não há Ronde e os flemish  estão tristes e nós também! Este era o dia de abrir as melhores cervejas belgas. Sim , somos obrigados de dize-lo! Mas tal como as melhores provas de ciclismo do mundo, também é na Bélgica que se bebe o néctar mais saboroso do planeta.

Para quem quiser matar saudades da Ronde pode sempre acompanhar a edição virtual. Não é engraçado mas é o que temos! 13 ciclistas isolados em suas casas disputam os últimos km do percurso.  Podem ver aqui a partir das 14h30m:

 The 13 riders invited to the Tour of Flanders: Lockdown Edition are:

Remco Evenepoel
Wout van Aert
Jasper Stuyven
Tim Wellens
Michael Matthews
Mike Teunissen
Oliver Naesen
Zdenek Stybar
Greg van Avermaet
Yves Lampaert
Nicolas Roche
Thomas de Gendt
Alberto Bettiol


 

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