terça-feira, 17 de março de 2020

Volta ao Alentejo : Passado , Presente e Futuro


 
Adiada para data incerta devido à situação de pandemia pelo novo coronavírus : COVID - 19, começaria hoje  a 38ª edição da Volta ao Alentejo em Bicicleta, carinhosamente apelidada de “A Alentejana”.

Tal como nas pessoas também nos eventos, se o “nome próprio” é substituído por uma alcunha é sinal de prestigio e de autenticidade. A Alentejana é única! É no ponto de vista desportivo, apenas na edição de 2017 se repetiu um vencedor, mas também o é do ponto de vista social e cultural. A Alentejana é a montra de uma cultura e de um povo. É o maior evento de promoção da região Alentejo com periodicidade anual.

A Alentejana também é feita de convívio. Em nenhuma outra prova realizada em Portugal essa componente foi tão importante para o nascimento e para o crescer de uma prova de ciclismo. É certo que essa componente já não está tão vincada na fase adulta da Volta ao Alentejo.

A primeira edição foi em 1983.

O Passado: a breve estória da Volta ao Alentejo

A Alentejana nasceu em 1983 através de um conjunto de amigos. Todos tinham em comum duas características: eram alentejanos e entusiastas do ciclismo.
Joaquim Mendes: impulsionador da Volta ao Alentejo
 
Tudo começou com Joaquim Mendes, na altura vereador da Câmara Municipal de Évora, ao propor uma prova desportiva que percorresse o território da região Alentejo. A ideia era ter um acontecimento desportivo de impacto nacional, mas também criar um evento de promoção do património cultural do Alentejo. A proposta foi aceite e estava lançada a primeira pedra da Alentejana.  

Mas era preciso mais! Eram precisos patrocínios, organização e comunicação social.

Para o sucesso da primeira edição muito contribuíram alguns nomes. Com certeza muitos mais do que aqueles mencionados de seguida.

Aníbal Oliveira, da Federação Portuguesa de Ciclismo, foi um deles.  Nas primeiras edições da prova teve um papel fundamental na definição de percursos e também na ligação entre a organização e a FPC. Para Aníbal Oliveira a Alentejana era única: “…havia uma coisa que era fantástica e que não acontecia em mais lado nenhum. No final das etapas havia sempre uma confraternização, íamos todos jantar ao mesmo sitio, havia sempre um rancho ou um grupa de cantares. Era totalmente diferente das outras. A Volta ao Alentejo era fascinante “

Outro nome incontornável na estória da Alentejana e também do ciclismo alentejano foi Manuel Francisco, mais conhecido por Manuel da Gaita.

Manuel da Gaita: eborense e ex ciclista
Ciclista na sua juventude e um amante da sua região, Manuel da Gaita tinha um sonho: ver uma prova de ciclismo a percorrer as estradas do seu Alentejo. Decisivo na ajuda em fundar a Alentejana, foi Manuel da Gaita que acompanhou Joaquim Mendes na visita com sucesso à FPC para convencer Aníbal Oliveira. O ex ciclista eborense era um polivalente na organização da prova: responsável pelas metas, pelos alojamentos, pela marcação dos percursos ou até pelos patrocínios, Manuel Francisco desenrascava qualquer situação. Afinal de contas ele conhecia toda a gente no Alentejo e todos conheciam o “famoso “ciclista …Manuel da Gaita.

Faleceu nas vésperas da 24ª edição da Volta ao Alentejo.

A prova ia ganhando impacto e importância edição após edição. Aparecia nas televisões e também nos jornais. Nunca o Alentejo tinha tido uma cobertura tão grande.
Teixeira Correia: além de jornalista já fez de speaker da Alentejana. Tem 36 Voltas ao Alentejo no curriculum 
 
A comunicação social desempenhou também um papel de relevo e de grande importância. No inicio muito contribuíram nomes como Homero Serpa do Jornal A Bola e a suas crónicas sobre a vertente desportiva, mas também sobre a cultura alentejana. Guita Júnior do Diário de Notícias, que acompanhou a prova desde a sua primeira edição e também os alentejanos Fernando Emílio e Teixeira Correia. Os dois ainda hoje são nomes incontornáveis da Volta ao Alentejo e responsáveis pela divulgação da prova alentejana.
F.Emílio: um dos principais nomes do jornalismo de ciclismo em Portugal
 

A edição de 1996 ficará para a historia e Fernando Emílio está intrinsecamente ligado ao ano de maior sucesso desportivo da Alentejana: a participação de Miguel Indurain, a maior figura do pelotão internacional. Foi Fernando Emílio atualmente no jornal A Bola, na altura também correspondente do jornal desportivo “A Marca” que apresentou, Alfredo Barroso, diretor da prova e um dos nomes mais importantes da Alentejana e Armando Oliveira à equipa do campeão espanhol: Banesto. Tudo aconteceu num hotel em Málaga no final de uma etapa da Volta à Andaluzia. Fernando Emílio conta que: “foi nesse momento que conseguimos convencer o manager da equipa e trouxemos o Miguel Indurain a Portugal…a partir dai a Alentejana projetou-se a nível internacional “

A vinda de Miguel Indurain foi um verdadeiro sucesso: imagens do Alentejo nas televisões espanholas, mais de uma centena de jornalista a acompanhar a prova e multidões nas chegadas e nas partidas à procura de um autografo. Um colégio de freiras de Badajoz chegou mesmo a ir a Elvas, apenas para ver Miguel Indurain, conta Armando Oliveira.

Miguel Indurain ganhou o contrarrelógio inicial de Sines e nunca mais despiu a camisola amarela da edição de 1996.  A Volta ao Alentejo tinha agora um penta campeão do Tour de France.
Miguel Indurain (vencedor em 1996), Alfredo Barroso (Diretor de Prova) e Abílio Fernandes ( Pres. CM Évora)
 
A Alentejana tem-se mantido até aos dias de hoje com os altos e baixos próprios de um desporto que vive muito de patrocínios.  Apesar de manter sempre o estatuto internacional a prova passou por uma longa fase onde apenas participavam as equipas portuguesas.

A edição do ano 2017 do ponto de vista competitivo voltou a trazer bons nomes e boas equipas. Muito contribuíram 2 fatores: a prova subiu de escalão UCI e passou a 2.1 e disputou-se na semana seguinte à Volta ao Algarve aproveitando a presença de equipas World Tour e Pro Continentais. Foi na edição de 2017 que se quebrou a tradição e a Alentejana foi ganha por um repetente: Carlos Barbero da Movistar.

Nos últimos dois anos voltaram as vitórias portuguesas. Desde 2006 que a Alentejana não era vencida por um ciclista luso. Foi Luis Mendonça da Aviludo-Louletano que acabou vestido de amarelo na Praça do Giraldo em Évora em 2018 e em 2019 foi a vez do algarvia João Rodrigues vencer a Alentejana antes de triunfar na Volta a Portugal em Bicicleta.
Luis Mendonça: vencedor em 2018
 
E foi assim que chegamos à 38ª edição da Volta ao Alentejo.

Fonte: A Alentejana: CIMAC


O Presente: Volta ao Alentejo 2020.
Infelizmente a edição de 2020 foi anulada. Não há datas previstas , nem sabemos se a competição irá para a estrada ainda durante este ano.

O percurso e as equipas que iriam percorrer os mais de 800km durante os  5 dias de competição podem ser consultadas AQUI.

Continua a faltar imaginação na escolha dos trajetos da Alentejana. O CRI individual era repetido pela terceira vez consecutiva na Volta ao Alentejo e se contarmos com as duas últimas edições da Volta a Portugal do Futuro, é a quinta vez que estes 8km seriam realizados em CRI.


Não há uma etapa de montanha e há tanto por onde escolher na bonita Serra de São Mamede. A ideia de criar uma etapa curta e explosiva não parece corresponder com o trajeto desenhado. Mantendo as localidades de partida e de chegada e também a mesma quilometragem, a zona de Portalegre tem dificuldades que cheguem para partir o pelotão e dar emotividade à Volta ao Alentejo. De fora ficam constantemente, nesta etapa que se apresenta sempre como a mais difícil, no que diz respeito a inclinações do terreno: a serra de São Mamede, parte da subida a Marvão ou a curta, mas inclinada rampa de Porto de Espada.


Bem sabemos que a escolha de partidas e chegadas de uma volta é sempre um processo complicado. Mas acreditamos que o adepto já tem saudades de uma chegada da Volta ao Alentejo na rampa das antenas da Serra de São Mamede, no Cabeço do Mouro ou na histórica vila de Marvão. Afinal uma prova de ciclismo, o “desporto do povo “, deve agradar a quem?
Bruno Pires : 2008. A última chegada da Volta ao Alentejo na Serra São Mamede


O Futuro.


Aquela mística e alma que se viveram no inicio da prova, perderam-se um pouco e a vertente desportiva também, com a exceção que foi a agradável surpresa da edição de 2017. Mesmo assim a Volta ao Alentejo continua a ser o maior evento realizado na região.
Pode a Alentejana voltar a ser uma festa de confraternização e ao mesmo tempo ter ambição desportiva? A Alentejana é propriedade da CIMAC: Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central. Será que desportivamente está “amarrada “ao poder local? Mas esta ligação ao poder local é o que mantem a chama acesa da Alentejana? E se um dia a Alentejana sair da CIMAC? Irá perder a autenticidade e as suas características até hoje únicas nas provas de ciclismo organizadas em Portugal? Para que lado deverá pender a balança?
São muitas e importantes perguntas para poucas respostas o que é injusto para quem tem o trabalho de ano após ano organizar a prova. Afinal de contas a Alentejana nasceu em 1983 e nunca falhou um ano.
Em 2017, ao colar a Volta ao Alentejo com a Algarvia os resultados foram visíveis. Subida de escalão e presença de equipas World Tour e Pro Continentais de elevado valor. Do Algarve ao Alentejo é um “pulinho” e algumas equipas permaneceram em Portugal e fizeram as duas competições numa altura em que ainda faz muito frio e neva no resto da Europa. Tal como o Algarve também o Alentejo tem bom tempo, boas estradas e boa hotelaria.  Sim, é verdade. Equipas World Tour apenas participou a Movistar, mas há muito tempo que a Alentejana não tinha uma equipa da elite do pelotão internacional.
O grande problema da Volta ao Alentejo para as principais equipas mundiais é a logística. Esse foi o factor que em 2017 afastou algumas equipas Word Tour que fizeram a Volta ao Algarve e não competiram no Alentejo. Ao contrário do que acontece no Algarve, onde as equipas ficam instaladas no mesmo hotel durante uma semana e as deslocações para os locais de partida e das chegadas aos hotéis são relativamente curtas, no Alentejo isso é impossível e as equipas tem de mudar frequentemente de hotel ou então percorrer longas distâncias todos os dias. As equipas World Tour não querem isso. Infelizmente ainda consideram a Alentejana uma prova de baixo valor competitivo levando a sua “capacidade instalada” de logística para outras partes do mundo.
Mas se queremos uma Volta ao Alentejo a percorrer todos os distritos da região esta situação permanecerá. Não à volta a dar. O Alentejo é um terço de Portugal continental e nós, alentejanos, gostamos dele assim ao mesmo tempo que continuamos a gostar da nossa Alentejana com ou sem equipas da elite mundial.
A " Alentejana"
 

2 comentários:

  1. Muito bom, dá para conhecer um pouco da história da prova e ameniza, ainda que ligeiramente, a falta que faz à estrada neste momento.

    Continua com o grande trabalho, o blog está cheio de informação muito boa para os amantes, e curiosos, do ciclismo.

    Muito obrigado!

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