sexta-feira, 22 de março de 2019

Milano-SanRemo " La Classicíssima" : o primeiro Monumento de 2019


 
 
Os Monumentos do Ciclismo começam com "La Classicissima " ou “La Primavera” . É já amanhã.

 
São 291km que ligam Milano a San Remo. Mais ou menos de Lisboa ao Porto. O mais longo dos Monumentos. Uma das provas mais longas do calendário mundial.

 
Quando recentemente se discutiu se a Strade Bianche já era um dos monumentos do ciclismo ou se um dia iria ser, a nossa resposta foi bastante clara. Concluímos que não! Pelo menos por agora! Está a fazer o seu percurso, mas para ser “Monumento “há um longo caminho a percorrer e muitas estórias para contar. Na Milano-San Remo esse caminho começou em 1907. A Strade Bianche ainda é uma jovem com 12 anos de idade.

 

Milano-SanRemo: o primeiro “Monumento”

 
A prova foi organizada pelo jornal desportivo “Gazeta dello Sport” e teve a distância de 288km. Estavam escritos 62 ciclistas, mas na linha de partida em Milano apenas se apresentaram 33. Mais de metade desistiu durante a prova e em San Remo apenas 14 “heróis “cruzaram a linha de meta. O francês Lucien Petit-Breton foi o mais rápido a percorrer a ligação. Nesta altura fazer 288km significavam muitas horas em cima das bicicletas e Lucien “Petit-Breton” levou 11h04m. Uma média de 26km/h. Uma grande performance para a altura. Atrás do francês chegou o seu compatriota Gustave Garrigou e em terceiro o italiano Giovanni Gerbi, o famoso “Diabo Vermelho” que já falamos aqui.
Lucien " Petit Breton" o 1º vencedor
 

Nesta época provas com distâncias elevadas não tinham apenas a vertente de competição desportiva. Eram também provas de superação da resistência humana e nalgumas vezes de sobrevivência.

Além da elevada distância as estradas eram péssimas e muitas vezes as condições meteorológicas eram dantescas. Numa das primeiras edições os ciclistas tiveram mesmo de “furar” pela neve para continuar na direção de San Remo. Aconteceu em 1910.

A edição de 1910 foi particularmente difícil. Começou pelas 6 da manhã e logo nos primeiros km os ciclistas encontraram uma tempestade de neve.

MSR 1910: " a furar a neve"

Ao chegar ao Passo de Turchino , subida que se mantem e que fará parte do percurso da edição de 2019, muitos ciclistas não aguentaram e voltaram para trás. Outros pediram refúgio nas casas que encontraram e depois de aquecerem o corpo recusaram-se a continuar em prova e foram diretos para casa. Depois do Passo de Turchino apenas 30 ciclistas continuaram em prova. Um deles foi Eugène Christophe que viria a ser o primeiro em San Remo. A meio da prova Christophe foi obrigado a vestir umas calças para se proteger do frio. Ao passar por Savona , o francês assumiu a liderança mas por pouco tempo. As suas calças entalaram-se na corrente da bicicleta e Christophe viu-se obrigado a pedir ajuda numa pequena localidade. Enquanto lhe cortavam as calças, libertando-o da bicicleta, o ciclista aproveitou para se alimentar abastecendo-se convenientemente para o resto da prova. Apesar do tempo perdido Christophe ganhou um novo folego e conseguiu alcançar a frente da corrida. Sem as calças e bem alimentado passou direto para a liderança e chegou a San Remo com mais de 1 hora de vantagem para o segundo classificado. A epopeia de Eugene Christophe durou 12h24m. A mais lenta das edições da Milano – San Remo. No final o francês foi hospitalizado por queimaduras nas mãos e cara. Esteve mais de um mês no hospital de San Remo e só voltou a competir passados 2 anos.
Eugene Christophe vencedor em 1910
 
Mais recentemente a neve também fez a sua aparição durante a prova. Foi em 2013. Os ciclistas não se refugiaram nas casas por onde passavam, mas sim nos autocarros e carros das suas equipas. Mas tal como em 1910 muitos já não regressaram á competição.

Nos anos seguintes a prova foi ganha pelos grandes nomes da altura: Alfredo Binda, Constante Girardengo ou Henry Pellissier.

 
Também a Milano San-Remo foi palco de batalha da maior e mais bonita rivalidade do ciclismo: Gino Bartali vs Fausto Coppi. A luta entre os dois não se fez apenas no Izoard (Alpes) ver aqui, ou no Tourmalet (Pirenéus ) ou noutra qualquer grande subida do Tour de France ou do Giro de Itália. Para a historia ficam também as edições da década de 40 onde os dois italianos disputavam a “Classicíssima “como se fosse a última corrida da vida. Num ano era Bartali que fugia logo no Passo de Turchino conquistando a corrida com uma longa escapada de centenas de quilómetros. No ano seguinte era a vez de Coppi pedalar com elegância e distanciar-se de Bartali acabando em San Remo com muitos minutos de vantagem. Na edição de 1946 a vantagem de Coppi era tão grande que o “Campionissimo” parou para tomar café seguindo mesmo assim destacado na frente. Entre 1940 e 1950 a corrida foi disputada nove vezes (paragem de dois anos devido à Segunda Guerra Mundial). Dessas nove edições Bartali e Coppi venceram seis.

O " famoso" café onde Coppi bebeu um café em plena MSR 1946
 

O palmarés da Milano-Sanremo é vasto e rico em nomes importantes: Eddy Merckx é o seu recordista. O Belga ganhou 7 vezes. Tambem Rik van Looy e Roger de Vlaeminck venceram a prova italiana para completar o penta dos “Monumentos “. Franscesco Moser e Laurent Fignon também tem o nome inscrito na placa do primeiro lugar, assim como Laurent Jalaber, Erik Zabel, Cancelllara, Cavendish ….

 

As últimas duas edições da prova foram espetaculares.

Em 2017 a “ La Primavera” foi ganha pelo polaco Michał Kwiatkowski num sprint muito comentado e discutido com o francês Alaphillipe e o campeão do mundo Peter Sagan. Todos os três são dos principais favoritos a ganhar a edição 2019 da “Classicíssima”.

O ano passado foi a vez do tubarão de Messima. Vincenzo Nibali juntou ao seu vasto palmarés a Milano-SanRemo, numa vitória que ficará para sempre na memória do próprio, dos seus fãs e de todos aqueles que gostam de ciclismo espetacular. Nibali ataca no Poggio de SanRemo para ser apanhado já depois de cruzar a linha de meta na Via Roma.

 

Milan-San Remo 2019

 
A edição de 2019 não deve fugir muito ao filme dos últimos anos. O percurso é o mesmo e as dificuldades também.
MSR 2019
 

Provavelmente teremos a fuga do dia a ganhar tempo até aos três Capos. Quando passarem o Capo Mele, Capo Cerve e o Capo Berta o pelotão acelera e entra compacto na Cipressa. Aí o posicionamento é fundamental pois a corrida começa a desenrolar-se a uma velocidade bastante elevada. Uma boa entrada no Poggio di Sanremo é sinonimo de sair dele numa posição bastante razoável e em condições de discutir a corrida na Via Roma. O Poggio di Sanremo com os seus 3,7km com média de 3,7% e max 8% fará a seleção dos candidatos uma vez que os restantes 5km serão em descida até entrarem no km final.

Cipressa + Poggio di SanRemo
 

 
Em 2017 foi na parte final do Poggio di Sanremo que Sagan atacou levando na roda Alaphillipe e Kwiatkowski que acabou por ser o vencedor ganhando o seu primeiro monumento. Foi também no final da subida que em 2018 Nibali ganha metros importantes ao restante pelotão para conquistar a mais bela vitória da sua carreira.
Nibali vencedor em 2018
 

Estes 4 nomes aparecem também como potenciais vencedores na Via Roma. Sagan persegue a vitória na Milano-SanRemo. Já foi segundo por duas ocasiões e quer juntar este “Monumento” aos dois que já ninguém lhe tira: Paris – Roubaix e Tour de Flanders. O eslovaco esteve doente e ao contrário de anos anteriores leva “poucos” km’s nas pernas. A sua forma é uma incógnita o que poderá até ser uma vantagem. Normalmente Peter Sagan é o alvo a abater, o principal candidato, mas desta vez não.
 
Julian Alaphillippe da Deceuninck Quick-Step tem tido uma época 2019 fantástica. Vem de três vitorias em solo italiano. Duas etapas no Tirreno-Adriático e a conquista da sempre espetacular Strade Bianche. Tal como em 2017 quando foi terceiro, o francês tem tudo a ganhar se a corrida for muito atacada nos km finais principalmente no Poggio de San Remo.  Alaphillippe vai estar na frente da corrida no momento decisivo.

Mas a hipótese da equipa belga não se resume apenas ao francês. Há mais e com muita qualidade. Elia Viviani nunca ganhou um monumento. O melhor que conseguiu numa Milano-SanRemo foi o 9º lugar em 2017, mas se a corrida não se partir na subida do Poggio e o pelotão chegar compacto aos metros finais, Viviani é um dos principais favoritos. Mas não é tudo. Se Alaphillippe e Viviani falharem a formação chefiada por Patrick Lefévère tem mais duas cartadas de peso: Philippe Gilbert e Zdenek Stybar. Gilbert procura aquilo que apenas 3 ciclistas mundiais já conseguiram: os cinco Monumentos. Ao belga faltam-lhe a corrida de amanhã e o Paris-Roubaix. Gilbert só ganha a Milano-SanRemo se fizer uma exibição monstruosa e isso significa deixar para trás toda a armada de sprinters que se apresentarão amanhã na linha de partida. Em relação ao checo Stybar é a sua excelente forma que o faz entrar na lista de possíveis vencedores. Quase impossível é certo, mas também o ano passado Nibali não “entrava nas contas”.

 

Se ganhou em 2018 porque não pode repetir o triunfo em 2019? Pode! Não será tão fácil ganhar uns metros no Poggio como aconteceu o ano passado, mas Vincenzo Nibali não deixa de ser um dos homens a ter em linha de conta. Normalmente o ciclista de Messina tem uma postura ataque na Milano-SanRemo. Ora ataca ainda nos Capos ora os seus ataques surgem mais tarde na Cipressa e Poggio. Se não houver cuidado o tubarão pode ser mortífero outra vez.

Também os seus colegas de equipa Sonny Colbrelli e Matej Mohoric estão nas listas das “ estrelinhas “ de favoritos. Tal como a Deceuninck Quick Step, a Barahain Mérida também apresenta uma formação com várias soluções que podem ser jogadas conforme o desenrolar da corrida.

 

Antes de apontarmos os nomes dos sprinters, apontamos também o de Michal Kwiatkowski da Team Sky. O polaco que venceu de forma surpreendente a edição de 2017 é um daqueles ciclistas que não vai deixar escapar um momento de marcação entre os candidatos principais. Kwia consegue seguir na frente no Poggio ou ser ele próprio a acelerar. Também é homem para num momento de distração atacar na Via Roma e vencer a sua segunda Milano-SanRemo.
Michal Kwiatkowski venceu em 2017
 

Depois aparecem o lote impressionante de sprinters. A “La Classicissima” é o Monumento mais simpático para quem faz da aceleração e da potencia dos metros finais a sua grande especialidade. Sem a pujança de outros tempos temos um antigo vencedor da prova. John Degenkolb da Trek Segrafredo. O alemão não é o principal sprinter presente, mas se o pelotão chegar compacto fará com certeza um lugar nas primeiras posições. Situação parecida para Arnaud Demare da Groupama FDJ, vencedor da edição de 2016. Caleb Ewan da Lotto Soudal , Sam Bennet da Bora-hansgrohe, Matteo Trentin da Mitchelton-Scott , Dylan Groenewegen da Team Jumbo-Visma , Michael Matthews da Team Sunweb e Alexander Kristoff e Fernando Gaviria ambos dos UAE Team Emirates. A elite dos sprinters mundiais. Falta algum ? Todos com boas hipóteses de vencer amanhã no final da Via Roma em San Remo.  


Tal como em 2018 a participação portuguesa está a cargo de José Goncalves da Team Katusha.

Startlist: aqui

Percurso: aqui

Transmissão TV: Eurosport 2 pelas 13h30m

Hastag: #MSR #MSR19 #MSR2019

 

Boas pedaladas !

AT

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